quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Proposta do Ministério da Saúde de mudança na modalidade de transferência de recursos para a Atenção Primária à Saúde”

No dia 18 de outubro de 2019 foi realizado, no Rio de Janeiro, o seminário “Proposta do Ministério de da Saúde de mudança na modalidade de transferência de recursos para a Atenção Primária à Saúde”. O evento foi promovido pela Secretaria de Estado de Saúde (SES/RJ) e pelo Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (Cosems/RJ) e contou com a participação de técnicos do Ministério de Saúde, gestores municipais, profissionais da saúde e pesquisadores.

Erno Harzheim, Secretário Nacional de Atenção Primária à Saúde, apresentou a proposta de mudança na modalidade de transferência de recursos para a Atenção Primária à Saúde, que consiste num modelo de financiamento misto, com três componentes, a saber:

-Captação ponderada: pagamento por pessoa cadastrada na APS ponderada a partir da classificação dos municípios por tipologia rural ou urbana do IBGE, maior valor pago por usuários de até 5 anos e maiores de 65 anos, usuários do Programa Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada e benefícios previdenciários até dois salários mínimos;

-Pagamento por desempenho: análise de indicadores de processo, indicadores de resultado intermediários, indicadores globais de qualidade (PCATOOL, relação médico paciente, fidelização), os quais serão monitorados a cada quatro meses. Para o ano 2020 serão definidos sete indicadores, em 2021 serão 14 indicadores e em 2022 serão 21. Os indicadores que sejam mais fáceis de atingir terão um valor menor do que aqueles mais difíceis de atingir;

-Incentivo a programas específicos como promoção da saúde, saúde bucal, moradores de rua, privados da liberdade, saúde na hora, informatização. A proposta é qualificar mais esses programas;

De acordo com o secretário, a maioria dos municípios ganham com essa nova organização, mas há uma menor parte de municípios que perdem. Por esse motivo foi desenhado um modelo de transição através do qual todos os municípios ganharão os primeiros quatros meses como se a captação fosse plena, e somente a partir do segundo quadrimestre os municípios que não conseguissem cadastrar a população suficiente poderiam ter uma perda. Quanto ao desempenho, a análise dos indicadores somente começará em setembro. As equipes vinculadas ao PMAQ continuarão recebendo o incentivo até esse momento. Os resultados atuais dos indicadores serão publicados em janeiro e em setembro serão avaliados.

Hisham Mohamad Hamida, diretor financeiro do Conasems ressaltou que a maioria dos municípios consideram o atual modelo de financiamento injusto. Segundo ele, a nova proposta aumenta a autonomia dos municípios para conformar as equipes segundo as necessidades particulares dos mesmos, e a execução completa do orçamento significaria um incremento no financiamento da APS. O Conasems se posiciona a favor da proposta se nenhum município perde.

Durante o Seminário, André Schimidt, especialista em Gestão da Saúde da SES/RJ e Cosems apresentou um estudo no qual foram realizadas simulações para todos os municípios de estado do Rio de Janeiro dos recursos a serem recebidos por captação ponderada comparados com os recursos pagos em 2018 por PAB fixo, equipes de saúde da família, núcleos ampliados de saúde da família e gerentes (rubricas que serão substituídas pela captação ponderada). Os resultados indicaram uma perda estimada de 417.244.728,93 no montante total de recursos ao ano, onde 78 municípios do estado perdem recursos. O estudo apresentado (que pode ser consultado no site do COSEMSRJ) também evidenciou que o fim do pagamento por equipe de saúde da família e NASF pode induzir uma mudança no modelo de atenção, priorizando procedimentos médicos e esvaziando ações de cuidado transversais e interdisciplinares.

Lígia Giovanella, pesquisadora, membro da Abrasco e coordenadora da Rede APS destacou na sua apresentação a importância de estabelecer pontes com os gestores, o CONASS, o CONASEMS e os profissionais de saúde para defender o SUS público, universal, de qualidade e uma APS forte, territorializada, com enfoque comunitário, que contemple os atributos essenciais e derivados da APS e responda às necessidades da população.

A pesquisadora apontou que, no contexto atual de restrição de direitos, congelamento do gasto público em saúde, reforma previdenciária e trabalhista, ameaças ao meio ambiente e à democracia, faz-se necessário analisar as mudanças em conjunto e contextualizadas. Nessa perspectiva, a pesquisadora apresentou algumas das principais mudanças que estão sendo implementadas atualmente em relação à APS. A criação da Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde traz um risco de mudança do modelo de atenção, o governo pode passar a ser simplesmente um prestador de serviços, empresas privadas podem ser contratadas para a provisão de serviços de APS, isso abre um espaço para a mercantilização do espaço mais eficiente no SUS. A Carteira de Serviços da Atenção Primária à Saúde Brasileira, que foi colocada em consulta em agosto deste ano, reduz o escopo da APS ao nível individual, desaparecendo os atributos derivados da APS: orientação familiar, orientação comunitária e competência cultural. Chama a atenção também, a proposta de lista de pacientes desterritorializada, a qual dificulta as visitas domiciliares e perde a ação comunitária. Em relação ao financiamento, a extinção do PAB fixo e PAB variável para passar ao pagamento por captação ponderada apresenta um risco de sustentabilidade financeira do SUS municipal, porque os municípios renunciariam à única transferência federal para a APS. O fim dos incentivos específicos para o NASF e para a saúde da família significa extinguir o NASF e a prioridade da estratégia de saúde família, dessa maneira, é possível que os atributos essenciais e derivados da APS não sejam garantidos. Além disso, é necessário lembrar que os incentivos do PMAQ somavam recursos para o financiamento da APS, enquanto a nova proposta de financiamento por desempenho distribui os recursos já existentes, ou seja, nada indica que os municípios terão mais recursos por desempenho. A pesquisadora também se mostrou preocupada pelo pouco tempo (4 meses) que teriam os municípios para se debruçar sobre as dificuldades de cadastramento e solucioná-las. Para finalizar, Giovanella apontou que é preciso melhorar o modelo, no entanto, as propostas de mudanças tendem a enfraquecer o coração da rede de serviços, havendo um deslocamento do debate da integralidade para uma APS que poderia ser chamada de “neoseletiva”.

Após as apresentações dos panelistas foi realizada uma rodada de perguntas do público. Os participantes se mostraram preocupados com a proposta, concordaram que 4 meses para solucionar os possíveis problemas de cadastramento era muito pouco. Além disso, apontaram que um período de transição de um ano em ano eleitoral podia não ser o mais adequado. Antônio Morais do CES-RJ solicitou que a proposta fosse discutida com maior profundidade com participação dos órgãos de controle social como o Conselho Nacional de Saúde. Maria da Conceição de Souza Rocha, presidente do COSEMS/RJ ressaltou que a implementação da proposta de mudança no modelo de financiamento da APS deveria ser adiada devido às múltiplas dúvidas ainda presentes entre os gestores municipais e também porque os detalhes sobre os métodos utilizados pelo Ministério da Saúde para definir os critérios de avaliação dos indicadores ainda não têm sido esclarecidos.

Vídeo do semináriodisponível no facebook do COSEMS/RJ https://www.facebook.com/CosemsRJ/videos/1413546605477387/

No site do COSEMS/RJ http://www.cosemsrj.org.br/proposta-do-ministerio-da-saude-de-mudanca-na-modalidade-de-transferencia-de-recursos-para-a-atencao-primaria-a-saude/ também encontrará as planilhas apresentadas pelo Ministério da Saúde sobre as faixas do resultado do impacto novo financiamento e artigos publicados que se debruçam sobre essa questão.

Por fim, cabe destacar que, no dia 30 de outubro, entidades do movimento da Reforma Sanitária como ABrES, Abrasco, Cebes, Rede Unida, dentre outras, enviaram uma carta ao Ministro de Estado da Saúde, Dr. Henrique Mandetta, onde alertam sobre os riscos da mudança no modelo de financiamento da APS e apresentam suas preocupações sobre o processo de discussão da proposta, que não contou com um documento técnico passível de análise, não foi debatida amplamente e não teve aprovação pelo Conselho Nacional de Saúde, segundo o que indica a carta que pode ser acessada na integra no site da Abrasco:


Por Diana Ruiz e Valentina Martufi – doutorandas que contribuem para a REDE APS

Fonte; REDE APS