quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Unidade Básica -Série televisiva brasileira aborda o cotidiano de profissionais do SUS e reforça humanização

Dona Vilma tem diabetes, mas não toma os remédios recomendados por doutor Paulo; Juliano descobre que é soropositivo, mas não se cuida como orienta a doutora Laura; Sofia, de 9 anos, tem sangue na urina, embora os exames nada detectem; mesmo em estado grave devido a cirrose, Eraldo não quer parar de beber; Dona Iná não tem um bom relacionamento com a filha e descobre que está com câncer em estágio terminal; Demerval pede aos médicos que não contem à esposa onde contraiu a febre amarela; médico, Paulo negligencia a própria saúde.


Todos esses casos são temas relatados na série brasileira “Unidade básica”, que mostra a realidade de usuários, médicos, enfermeiros, agentes de saúde e auxiliares em uma Unidade Básica de Saúde do SUS. Em exibição no canal fechado Universal, a primeira temporada da série começou a ser exibida em setembro de 2016 — com continuação prevista para 2017, segundo seus realizadores. “Um dos principais motivos de fazer uma série dentro do SUS é mostrar que existe um sistema que dá certo e que, embora tenha muitas dificuldades, nele existem profissionais que ajudam e muito a população”, disse à Radis a médica Helena Petta, uma das idealizadoras da série.

A produção vai além da exibição da rotina dos usuários e trabalho dos profissionais, discutindo com sensibilidade temas que são caros ao SUS, como a integralidade do cuidado. Segundo Helena, uma das maneiras de se mostrar a importância da integralidade foi apresentar diferentes perfis profissionais, a partir do cotidiano dos médicos Laura e Paulo, personagens principais da série. Enquanto Paulo se enquadra no perfil do médico “humanista”, que acredita que a profissão vai além da prescrição de medicamentos e se envolve com os pacientes que atende, Laura, recém-formada, é mais voltada para questões biomédicas, atenta aos sinais das doenças e ao que dizem os resultados dos exames. A proposta é aproximar o universo destes profissionais de quem atende nas unidades básicas de saúde. “A gente procurou entender quem são os usuários do sistema, quais os ambientes onde vivem e suas vulnerabilidades”, afirmou Helena.

Especialista em infectologia e mestre em Saúde Pública, Helena Petta trabalhou em uma Unidade Básica de Saúde em Campinas (SP) e supervisionou estudantes de Medicina em Curitiba. Ela conta que a ideia da série surgiu a partir de uma discordância da abordagem da Saúde nos meios de comunicação e, também, da percepção de que as séries médicas somente abordam o tema sob o ponto de vista da doença — em geral, as raras — e se situam sempre no ambiente hospitalar. “Pensei em uma série que se passasse em uma UBS, porque aí conseguiríamos discutir um pouco mais os determinantes sociais do processo saúde-doença”, justificou.

Para alcançar este objetivo, a série trata a comunicação entre profissionais e usuários como fundamental na resolução dos problemas apresentados pelas personagens. No segundo episódio da primeira temporada, por exemplo, quando foi explorado o conflito entre religião e HIV, a comunicação foi essencial. “Esse episódio é bastante debatido, pois nos faz pensar até que ponto a Saúde pode ou não interferir na fé das pessoas”, afirmou. Além disso, Helena acredita que o episódio também toca na importância de a comunidade estar engajada com o que acontece na unidade de saúde. “No momento em que o doutor Paulo enxerga no pastor um aliado — e acredito que aí esteja a sacada — ele vê que a solução pode vir da própria comunidade”.

Idealizada e produzida em um momento “de expansão do SUS”, como avalia Helena, a série, inspirada em acontecimentos reais, também pode servir como instrumento de defesa do próprio sistema, avalia a médica. Para ela, ao mostrar a intimidade de quem trabalha no sistema e de quem necessita dele, e reforçar a importância do atendimento humanizado e da participação dos conselhos de saúde em uma Unidade Básica, a produção pode sensibilizar as pessoas sobre as recentes ameaças contra o SUS. “O que antes estava em expansão hoje sofre um retrocesso. Espero que a série seja um instrumento que mostre para a população o quanto esse sistema é importante e o quanto ele precisa ser defendido por todos nós”, apontou Helena.

Autor: Ludmila Silva