Texto de Pamela Sobrinho.
“Era manhã de sábado, a ansiedade para ter o meu bebê era grande. Já haviam me dito que iriam antecipar o parto, pois meu bebê estava ficando muito grande e a preferência era o parto normal. Tudo bem, afinal, este era meu sonho. As horas foram passando e nada. Tenho diabetes e ninguém, nem médicos ou enfermeiros apareciam no quarto para monitorarem minha glicose, se não fosse os membros da minha família não sei o que teria acontecido. No inicio da madrugada as dores começaram e a equipe médica havia desaparecido, quando solicitava uma ajuda as palavras eram as mesmas: é assim mesmo não há nada o que possamos fazer. Por fim, apareceu uma médica, quando ela foi fazer o exame de toque, justo no momento que eu estava tendo uma contração, pedi para parar porque estava doendo muito, ela, grosseiramente, tirou as luvas e foi embora, não voltou mais para me atender. Ao longo das horas vi enfermeiras ignorarem as pacientes.
No momento do nascimento meu filho não chorou, o desespero tomou conta de mim, o pior dos absurdos, não havia pediatra na sala de parto. Meu bebê engoliu liquido, ficou sem respirar e teve uma paralisia braquial (o braço direito não se movimentava). Sua nota ao nascer (de 0 a 10) foi 2, os enfermeiros salvaram sua vida, ele ficou 15 dias na UTI Neonatal. Por sorte não teve nenhuma consequência grave, fizemos 1 ano de fisioterapia, 3 vezes por semana, hoje ele mexe o braço, mas ainda fazemos acompanhamento neurológico e cardiológico para ver se não ficou nenhuma sequela. Digo que contamos muito com a sorte, ele é um guerreiro, porém, a violência obstétrica traz sequelas psicológicas e consequências financeiras, tudo poderia ter sido evitado se a equipe do hospital fosse mais humana”. (S.R.S. – Mãe).
A violência obstétrica é muito comum em nosso país, mas pouco se fala sobre o assunto. Recentemente, tivemos o caso de Adelir, que foi retirada de casa pela polícia e obrigada por decisão judicial a realizar uma cesárea. São inúmeras as denuncias de mulheres que tem seu parto em frente hospitais, nos corredores ou nos banheiros dos mesmos, por falta de atendimento, como foi o caso deLeilane Nascimento da Silva, de 22 anos, em abril no Rio de Janeiro.
Esse é um crime que pode atingir pessoas em todos os âmbitos da sociedade, porque ocorre tanto em hospitais públicos como particulares. Porém, sabemos que mulheres pobres, negras e indígenas são as principais vítimas, recebem o tratamento mais cruel, muitas vezes por só terem como opção o tratamento ofertado pelo sistema de saúde pública, onde o racismo é bem presente. A violência obstétrica ocorre de diversas formas, desde a rispidez no atendimento até a negação de procedimentos. É muito comum, por exemplo, que mulheres negras e pobres não recebam anestesia no parto normal. Entre as mulheres de classes sociais mais altas é comum o incentivo desnecessário a cesariana, por meio de pressão psicológica.
Segundo dados da Fundação Perseu Abramo, uma a cada quatro mulheres sofre violência obstétrica. Mas, o que essa violência significa? Significa agressões físicas e morais contra a mulher. Quando um médico ou médica faz um procedimento desnecessário como o exame de toque de maneira violenta, o uso do fórceps (uma espécie de pinça, utilizado na medicina obstétrica para auxiliar a retirada do bebê por alguma razão em que a contração natural não é suficiente para o parto) aparelho proibido no Brasil, a episiotomia desnecessária (o corte na região genital para aumentar a passagem para o bebê), a cesariana sem o consentimento da paciente, dentre outros tantos procedimentos realizados de maneira errada por profissionais durante o parto, além da violência moral, aquela na qual há xingamentos a mulher, como chama-la de fresca, por exemplo, ou negar atendimento.
Para resolver esses problemas há iniciativas como a Lei do Parto Humanizado (PL 08/2013) que já foi aprovado no Senado Federal e aguarda votação na Câmara dos Deputados. A Câmara também analisa o PL 5304/2013, que obriga os serviços de saúde a permitirem a presença da doula no parto. Alguns estados, como São Paulo, já sancionaram leis que instituem o parto humanizado, mas apesar das boas intenções, há ainda dificuldades para que a escolha da mulher seja respeitada por completo, como afirma Debora Delange em entrevista à Rádio Brasil Atual:
“Em algumas situações percebe-se que a mulher pode perder o direito de escolha quando o médico arbitra que há risco para o feto, por exemplo. Ou a mulher tem direito de escolha ou não tem. Se é alguém que vai arbitrar sobre alguma escolha, que seja ela própria. Hoje a restrição da escolha da mulher existe, mas não é institucionalizada. No momento em que aparece no texto da lei, dando essa prerrogativa para o médico, acaba institucionalizando a perda do direito da mulher.” Referência: Especialistas alertam para contradições da lei paulistana que garante parto humanizado.
Se a violência obstétrica é tão comum e deixa tantas marcas, por que as mulheres não denunciam? Infelizmente, o momento do parto é tido como um momento de dor e sofrimento. São pensamentos patriarcais que nos remetem a ensinamentos religisos de que a mulher deve sofrer as dores do parto para pagar o pecado de Eva. Por um pensamento e uma cultura antigos e desatualizados, por uma medicina desumana, milhares de mulheres e bebês morrem ou sofrem alguma violência física e/ou moral.
O machismo interfere na medicina e mais uma vez o corpo das mulheres, assim como sua autonomia, não são respeitados. A maioria das mulheres não denunciam esta violência por medo, por estarem num momento de fragilidade, por não serem apoiadas, por falta de provas e, o mais comum, pela falta de conhecimento do que é a violência obstétrica. É assustador ouvir os relatos do descaso e das situações de negligência.
O machismo interfere na medicina e mais uma vez o corpo das mulheres, assim como sua autonomia, não são respeitados. A maioria das mulheres não denunciam esta violência por medo, por estarem num momento de fragilidade, por não serem apoiadas, por falta de provas e, o mais comum, pela falta de conhecimento do que é a violência obstétrica. É assustador ouvir os relatos do descaso e das situações de negligência.
Lendo e relendo sobre o assunto, encontrei um trabalho super bacana denunciando a violência obstétrica em forma de arte, chama-se: 1:4 Retratos da Violência Obstétrica, de Carla Raiter e Caroline Ferreira. É um projeto fotográfico que busca materializar as marcas invisíveis deixadas por esse tipo de violência e traz à luz uma reflexão sobre a condição do nascimento no Brasil e as intervenções desnecessárias que ocorrem no momento do parto.
Esse é um dos meios que as mulheres têm utilizado para denunciar tal crime, a principal forma de alertar é a divulgação do tema para debate e compreensão. Só assim, conhecendo nossos diretos e o que é necessário ou não no momento do parto é que podemos dar voz e autonomia as mulheres e além de capacitar melhor os profissionais envolvidos. Temos que entender que este não é um problema isolado, também faz parte da nossa luta diária de combate a violência contra a mulher e tem que ser uma das causas de luta do feminismo.
Autora
Pamela Sobrinho é economista no Sistema S, editora na revista Betim Cultural, blogueira, mulher, feminista, sem denominações religiosas, mas amante do respeito e da igualdade. Escreve no blog: O que há por trás da Economia. Twitter: @pamsobrinho.