"Ela chega sozinha. Diante de um balcão, uma mulher de uniforme pede que entregue brincos, pulseiras, a bolsa. Já curvada sobre o próprio ventre, é conduzida por um corredor até uma sala isolada onde passa a ser examinada, a intervalos regulares, por homens e mulheres que entram sem bater na porta, tocam em seu corpo, medem-lhe a pressão e saem. Dentro de uma hora, é levada para uma sala maior. Passa por uma sequência de camas e consegue ver, no caminho o rosto de mulheres: negras, brancas, muitas jovens e algumas já vividas. Poucas dormem. No final do corredor, entre a cama e a parede, uma cadeira azul. É para ela que apontam as duas mulheres que a conduzem". A cena, ainda que traga aqui e ali elementos de ficção, não é preâmbulo de um conto policial. Nasceu do testemunho da enfermeira Maria de Fátima Santos durante a mesa Violência Obstétrica e o Nascer no Brasil, Seminário Diálogos entre a Academia e Movimentos Sociais, promovido pelo Grupo Direitos Humanos e Saúde (Dihs/ENSP). Maria de Fátima narrou a chegada de uma mulher em trabalho de parto a uma maternidade pública brasileira. Os elementos de ficção acrescentados para o parágrafo que abre esta reportagem são a bolsa, a pulseira e a fila de rostos de mulheres na enfermaria; o resto, é tudo verdade: a cadeira, a solidão, a violência. SAIBA MAIS