Mesmo fazendo parte de uma comunicação oral denominada de “Diferenciais”, por trazer pesquisas de difícil classificação, o trabalho se destacou - um diferente entre os diferenciais - sobretudo, pela ausência de tabelas e gráficos. Ironicamente, minutos antes de sua apresentação, Fátima Pivetta ajudara a corrigir alguns números de um jovem pesquisador, que lhe pareceram errados. Na sua fala, porém, a dura realidade de quem vive sob a violência do estado nas favelas cariocas emergiu de relatos, narrativas, histórias. Para falar do invisível, foi necessário que surgisse o volátil conceito de determinantes intangíveis. Foi esse conceito o centro da conversa com Fátima Pivetta e Lenira Zancan, feita depois da apresentação das duas no Abrascão.
Veja, a seguir, os melhores trechos da entrevista.
Informe ENSP: Professora Fátima, o que seriam exatamente esses determinantes intangíveis de que a senhora falou em seu trabalho?

Informe ENSP:Quando se fala de algo invisível, intangível, num estudo sobre saúde, a primeira ideia que nos vem à cabeça é a de que o objetivo do estudo é tornar esse invisível visível. Por outro lado, é interessante que sejam invisíveis no sentido de não serem traduzíveis em números, porque dessa forma consegue-se demonstrar que eles não dão conta de tudo.
Lenira Zancan: Eu acho que é isso que está dentro da ideia de produção compartilhada de conhecimento, porque as ciências, as disciplinas, tem uma racionalidade que não consegue capturar essas complexidades e essas invisibilidades. Por isso que a epidemiologia sem números, do Naomar, e a epidemiologia critica estão buscando uma forma de se expressar cientificamente, mas não de forma tangível, não pelos números.
Fátima Pivetta: São coisas que os mais complexos modelos epidemiológicos, de supercomputadores, não conseguem captar. A epidemiologia trabalha com modelagens, então não consegue enquadrar nelas uma fala de um morador e traduzi-la para que depois vire estatística, vire ciência
Lenira Zancan: Alguns autores que a gente está usando, como o Thompson, trabalham com a categoria de experiência. E a experiência é traduzida por narrativas. As narrativas falam do vivido, do percebido, mas também das condições objetivas em que esse vivido, esse percebido, existem. Então, através das narrativas você também está compreendendo as determinações sociais da saúde.
Fátima Pivetta: Vou dar o exemplo de algo que apareceu como uma morbidade. Quando o PAC começou as remoções em Manguinhos, chegavam de sopetão e diziam para as pessoas que moravam lá há 30, 40 anos, às vezes, até mais, que o serviço social iria passar na semana seguinte e os moradores teriam que optar entre aluguel social, compra ou indenização. O aluguel social era para esperar até que os apartamentos do PAC estivessem prontos e então eles se mudariam. Não sabiam quando. Então, a mãe de uma bolsista nossa, uma pessoa que tem hipertensão e problemas cardíacos, quando recebeu essa notícia, passou uma semana na UPA com problemas no coração. Eu não sei se o médico que tratou dela ficou sabendo que aquele problema vinha em decorrência de um forte impacto emotivo. Um impacto negativo, no caso. E houve os picos de pressão.
Outro exemplo: quando tinha muito tiroteio em Manguinhos, as crianças ficavam em pânico, faziam xixi nas calças. Então, temos que ter um método para olhar para essas situações.
Primeiro, uma ideia, uma utopia, da onde você quer chegar e escolher um método para olhar aquela realidade.
Informe ENSP: E de que maneira vocês acham que o trabalho de vocês pode contribuir para melhorar a vida dessas pessoas?
