quinta-feira, 12 de junho de 2014

Militantes e gestores festejam lei que pune discriminação das pessoas com HIV/aids

Ativistas de todo o Brasil festejaram na terça-feira (3/6) a aprovação, pela presidenta Dilma Rousseff, da lei número 12.984, que define como crime a discriminação aos portadores de HIV e aids. A lei passou a valer na mesma data, com sua publicação noDiário Oficial da União. Agora, haverá penas de multa e prisão de um a quatro anos para quem discriminar pessoas que têm o vírus ou a doença. Isso vale para escolas que recusarem alunos nessa condição. E para empregadores que demitirem, exonerarem de cargo ou se negarem a contratar quem vive com HIV/aids.
 
Na mesma pena incorre também quem “segregar no ambiente de trabalho ou escolar, recusar ou retardar atendimento de saúde e divulgar a condição de portador do HIV ou de doente de aids com o intuito de ofender-lhe a dignidade”. Veja o que os ativistas da luta contra a aids dizem sobre a lei: 
 
“Lutamos por isso há cinco anos no Congresso Nacional”
 
Rodrigo Pinheiro, da diretoria da Articulação Nacional da Luta Contra a Aids (Anaids) e presidente do Fórum de Ongs/Aids do Estado de São Paulo (Foaesp): “Essa é uma grande conquista, pela qual lutamos há cinco anos no Congresso Nacional. A aprovação da lei é essencial para o combate ao estigma e ao preconceito que ainda são muito grandes em todos os setores da sociedade . Agora, a luta é fazer com que as penas sejam realmente aplicadas e aumentar a articulação do movimento da aids junto ao Congresso Nacional para obtermos novas conquistas.”
 
"Enfrentar a discriminação é sempre importante"
 
Jean Wyllys, deputado federal, integrante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal: "Enfrentar a discriminação é sempre importante porque ela tem um efeito nocivo, impede o acesso ao direito, que é muito grave. Eu não sei se mandar o autor ou autora de um ato de discriminação para a prisão é a melhor solução. Eu acredito que o estabelecimento de multas com o valor revertido para o movimento social que enfrenta a aids, ou mesmo LGBT, seria muito produtivo. Considero as respostas penais para muitas questões não tão adequadas quando elas são sistêmicas. Ficam insuficientes."
 
“A quem cabe o ônus da prova?”
 
Jorge Beloqui, pesquisador do Núcleo de Estudos Para a Prevenção da Aids (Nepaids): “ A aprovação da lei é uma conquista importante, mas ainda permancem dúvidas, especialmente quanto à demissão no trabalho. Por exemplo: quem vai arcar com o ônus da prova de que houve crime? Porque, como já acontece, o empregador continuará dizendo que a causa não é discriminação e sim incapacidade do trabalhador para a função. Agora, só o fato de não poderem mais pedir teste de HIV para concursos públicos, por exemplo, já é uma grande vitória.”
 
“Toda lei precisa de provas para ser implementada”
 
Claúdio Pereira, presidente do Grupo de Incentivo à Vida (GIV): “É um avanço importante, uma vitória do movimento social. Agora, fazer com que a lei seja efetiva é outra luta. Mas isso acontece com todas as leis, não só essa. É preciso construir provas e nem sempre é um processo fácil, mas não é por isso que vamos deixar de buscar a sua implementação.”
 
"Como criminalizar a discriminação que atinge quem vive com HIV e não a homofobia?"
 
Érica Kokay, deputada, presidente da Comissão Parlamentar Para o Enfrentamento do HIV/Aids na Camâra Federal:  " Todas as ações que se colocam contra a discriminação resgatam a noção de humanidade e contribuem para uma cultura de paz. Entretanto, há de se romper a pontualidade das ações e construí-las dentro de políticas que afirmem uma sociedade na qual sigam todos e todas e que enfrentem todas as formas de discriminação. Fica a pergunta, como criminalizar a  discriminação que atinge quem vive com HIV e não a homofobia?"
 
“É mais uma grande contribuiçao do governo da presidenta Dilma”
 
Fábio Mesquita, diretor do Departamento de DST/Aids e Hepatites Virais: "Nós temos defendido o conceito de prevençao combinada, que inclui estratégias classicas mais tratamento como prevenção mais pavimentar o ambiente para que as pessoas cheguem aos serviços de saúde. Tirar uma lei que há 11 anos está na gaveta do Parlamento e garantir sua sanção é mais uma grande contribuiçao do governo da presidenta Dilma e de parte da sociedade civil brasileira na luta contra a aids."
 
“Quando um cidadão for demitido porque é soropositivo ele poderá prestar queixa na delegacia”
 
Patricia Rios, advogada do Grupo Pela Vidda –Niterói: “ Com essa lei, a presidenta comprova que o Brasil não admite discriminação, com ênfase na aids. Reforça também nossa luta contra a doença e dá visibilidade à nossa causa. Nossa Justiça recebe uma enorme demanda sobre discriminação aos portadores de HIV/aids. Agora, com a nova lei, quando um cidadão for demitido porque é soropositivo ele poderá prestar queixa na delegacia, porque foi vítima de crime. Esse é mais um instrumento que poderá ser usado por nós que lutamos pelos direitos dos soropositivos. Mas essa lei precisa ganhar visibilidade no ambiente de trabalho, nas escolas.”
 
“Estamos ampliando a garantia dos direitos”
 
Maria Clara Gianna, coordenadora do Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo: “ A gente vê com satisfação essa lei, é uma proteção maior para as pessoas vivendo com HIV. Esse é um momento especial porque, mais uma vez, estamos ampliando a garantia dos direitos. Temos muito o que comemorar. Quero parabenizar a sociedade civil que lutou para que a lei fosse aprovada. Espero que ninguém precise ser criminalizado, mas, se for preciso, já temos instrumento.”
 
“Ficamos respaldados legalmente contra quebra do sigilo de diagnóstico”
 
Diego Callisto, da Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Vivendo com HIV/Aids: “A lei 12.984 é um marco importante na vida de quem, assim como eu, vive com o vírus HIV. As pessoas ainda têm pouquíssima informação sobre a aids e, por isso, agem com preconceito e discriminam. Com a lei, ficamos respaldados legalmente contra questões recorrentes como, por exemplo, quebra de sigilo do diagnóstico por terceiros e editais de carreira pública que exigem o teste de HIV."
 
“É uma pena que tenhamos de criar leis como essa”
 
Alessandra Nilo, da ONG pernambucana Gestos e da diretoria da Anaids: "Essa é uma lei muito importante para o Brasil, mas é uma pena que tenhamos de criar leis como essa. Elas não precisariam existir se no Brasil houvesse mais investimento em educação. Faltam campanhas, informações e cultura inclusiva."
 
“O convênio denunciou que eu era soropositivo e meus colegas exigiram minha demissão”
 
Cazu Barroz, ator e coordenador nacional do programa Saúde do Jovem da Federação de Bandeirantes do Brasil.: “É um grande avanço, mas o problema é que o governo não respeita as leis que ele mesmo cria. Pessoas com HIV ainda sofrem muita discriminação nas Forças Armadas, nas escolas militares e na Polícia Militar. Espero que todos cumpram a lei para que as pessoas não passem o que eu passei quando um convênio médico denunciou que eu era soropositivo para a empresa em que eu trabalhava e meus colegas exigiram minha demissão.”
 
“As pessoas precisam respeitar umas as outras sem leis”
 
Nair Brito, integrante do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas: “Tem o lado bom, porque agora temos o amparo de uma lei, que prevê punições por discriminação. Mas, por outro lado, é ruim. Precisamos de leis o tempo todo para garantir nosso direitos. As pessoas precisam respeitar umas as outras sem leis. Precisamos de pessoas transformadas.”
 
“O Brasil se posicionou”
 
Carlos Alberto Duarte, representante do Movimento Social de Luta contra a Aids no Conselho Nacional de Saúde; “ Lutamos por isso há alguns anos e o mérito é todo da sociedade civil, que conseguiu resgatar esse projeto que estava engavetado. Não sei ao certo se as coisas vão mudar com essa lei, mas o importante é que o Brasil se posicionou com relação a isso. O país é contra a discriminação ao portador do HIV."
 
"A exigência de testes de HIV em concursos púbicos agora virou crime"
 
Glayds Almeida, coordenadora da área de promoção dos direitos humanos do Gapa Bahia: "Essa lei vem reforçar uma luta histórica do movimento de aids. E é muito interessante porque é também uma demanda das assessorias jurídicas das ONGs/aids. Por exemplo, muitas ONGs já acionaram os ministérios públicos de suas cidades para exigir a retirada da exigência de testes de HIV em concursos púbicos. Agora isso virou crime."
 
"A aids está relacionada a outras questões, como a homofobia"
 
Oséias Cerqueira, da Rede Latino- Americana de Jovens Vivendo com HIV/Aids: "Acho importante ter legislações específicas que visem impedir a discriminação ao portador do HIV. Porém, é preciso pensar que a aids está relacionada a outras questões como a  homofobia.  É preciso pensar em mecanismos mais efetivos de promoção dos direitos das pessoas vivendo com HIV."
 
LEI Nº 12.984, DE 2 DE JUNHO DE 2014
 
Publicado, no DOU de 03.06.2014, a Lei nº 12.984/2014, que define o crime de discriminação dos portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e doentes de aids, com o seguinte teor:
 
Define o crime de discriminação dos portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e doentes de aids.
 
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA
 
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
 
Art. 1º Constitui crime punível com reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, as seguintes condutas discriminatórias contra o portador do HIV e o doente de aids, em razão da sua condição de portador ou de doente:
I - recusar, procrastinar, cancelar ou segregar a inscrição ou impedir que permaneça como aluno em creche ou estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado;
II - negar emprego ou trabalho;
III - exonerar ou demitir de seu cargo ou emprego;
IV - segregar no ambiente de trabalho ou escolar;
V - divulgar a condição do portador do HIV ou de doente de aids, com intuito de ofender-lhe a dignidade;
VI - recusar ou retardar atendimento de saúde.
 
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
 
Brasília, 2 de junho de 2014; 193º da Independência e 126º da República.
 
DILMA ROUSSEFF