Entre março e abril, alguns fatos brasileiros tiveram muita relevância no cenário dos direitos e saúde reprodutiva das mulheres. O estado brasileiro finalmente iniciou o cumprimento das recomendações feitas pelo Comitê da ONU para Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra Mulheres (Cedaw) em 2011, que foi a primeira condenação de um país membro da ONU por um caso de morte materna como como violação de direitos humanos (clique aqui e aqui para saber mais).
Alyne Pimentel morreu em 2002, aos seis meses de gestação por decorrência de erros e negligências médicas em dois em hospitais da baixada fluminense na região metropolitana do Rio de Janeiro. No dia 25 de março, Dona Lourdes Pimentel recebeu a reparação financeira numa cerimônia em Brasília e no dia 3 de abril foi inaugurada com o nome de Alyne uma UTI para gestantes de alto risco na Maternidade Mariana Bulhões, em Nova Iguaçu (Rio de Janeiro), que substitui o serviço onde Alyne morreu no Hospital da Posse.
Esses fatos repercutiram na imprensa brasileira, iluminando os graves problemas de qualidade na assistência ao parto de puerpério. Dados de 2010, que são os mais recentes e confiáveis, mostram que morreram 68 mulheres para cada 100 mil nascidos vivos; número muito acima dos 35 óbitos por 100 mil nascidos preconizados pelas Metas do Milênio da ONU. Ou seja, as reparações feitas são, de fato, a primeira etapa no cumprimento das recomendações do Comitê CEDAW no sentido de que medidas efetivas sejam tomadas para a redução dos padrões de desigualdade no acesso à saúde, melhoria da qualidade da atenção obstétrica e redução sistemática das taxas de morte materna no Brasil. (Clique aqui para acessar o conjnuto de notícias publicadas na internet sobre o caso Alyne)
Na mesma semana, coincidentemente, um caso ocorrido no Rio Grande do Sul ilustra de maneira contundente os problemas da atenção obstétrica. Uma gestante na 42a semana de gestação que decidira ter um parto vaginal em casa, por efeito de uma decisão judicial mobilizada por uma médica de um hospital público, foi levada, numa operação policial, compulsoriamente ao hospital para que fosse realizada uma cesárea. No debate sobre essa operação, algumas vozes alegaram que o direito do nascituro “tem primazia sobre a dignidade da mulher”. A decisão foi criticada tanto por profissionais quanto por ativistas do parto humanizado e feministas, que denunciaram amplamente a arbitrariedade e a violação da autonomia da mulher implícitos na intervenção realizada pelo estado. O SPW acompanhou o caso e reuniu algumas notícias e opiniões.
Também no Brasil, duas semanas antes, uma cartilha da Fifa distribuída a professores de escolas em cidades-sede da Copa do Mundo deste ano ganhou o repúdio de movimentos sociais e da sociedade civil. O material, intitulado “Manual do Treinador”, traz uma perspectiva conservadora no âmbito da prevenção ao HIV/Aids, “recomendando”, por exemplo, abstinência sexual e fidelidade como ações de prevenção. A Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA) divulgou nota condenando o material.
A Copa do Mundo também se tornou assunto importante no campo dos direitos sexuais com a publicação do relatório “Qual é o preço do boato? Um guia para classificar os mitos e os fatos sobre a relação entre eventos esportivos e tráfico de pessoas”, produzido pela Global Alliance Against Trafficking in Women (GAATW) e que interroga criticamente os discursos e suposições dominantes acerca da correlação entre grandes eventos esportivos – que o Brasil sediará este ano (Copa do Mundo) e em 2016 (Olimpíadas) e o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Além desse relatório, a pesquisa “Análise do Contexto de Prostituição em Relação a Direitos Humanos, Trabalho, Cultura e Saúde no Brasil”, produzida pela ABIA, pela ONG Davida e pelo Instituto Oswaldo Cruz, traz um panorama das políticas internacionais relacionadas à prostituição, direitos humanos e HIV e faz um mapeamento das políticas hoje implementadas em relação à prostituição e da visão de atores estatais federais em relação à questão no contexto brasileiro. Clique para saber mais sobre os dois estudos.
No plano global, nesse período, destacamos as movimentações políticas que acontecem na Tanzânia no sentido de ampliar a legislação criminal que penaliza relações entre pessoa do mesmo sexo, ou seja, aprofundando-se a tendência em curso na Africa Sub-Sahariana, de que os exemplos mais candentes são Uganda e Nigéria.
Por outro lado, a boa notícia é que a Suprema Corte Indiana acatou o pedido de reconsideração da decisão de dezembro de 2013 que suspendeu decisão anterior da Alta Corte de Delhi que definiu como anticonstitucional o artigo 377 do Código Penal, conhecido como a lei da sodomia.
Por fim, nos Estados Unidos, o site Reality Check informou que os irmãos Koch, expoentes do mercado financeiro, têm apoiado organizações anti-aborto mirando às eleições de legislativas desse ano e a retomada do Congresso para as mãos do Partido Republicano. Clique aqui para saber mais.
Também circulamos uma matéria sobre a inspiradora história de Claudette, uma prostituta intersexual suíça cuja história foi destaque em jornais pelo mundo (aqui e aqui).
Publicações recomendadas
A Associação Latino-Americana de População (ALAP) lançou o livro "Cairo+20: perspectivas de la agenda de población y desarrollosostenibledespués de 2014", para refletir sobre sucessos e desafios no contexto dos 20 anos da Conferência do Cairo (1994). A publicação inclui um artigo de Sonia Corrêa, co-coordenadora do Observatório de Sexualidade e Política.Clique para acessar o livro.
Também foi lançada a edição 16ª da revista "Sexualidade, Saúde e Sociedade", do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos, que traz artigos sobre trabalho sexual no México e na Colômbia e sobre identidade de gênero no âmbito da legislação argentina.
Acompanhe mais sobre o cenário global dos direitos sexuais e reprodutivos no site e na fanpage do SPW.