segunda-feira, 4 de novembro de 2013

EDUCAÇÃO E SAÚDE ATRASADAS: GRAVIDEZ PRECOCE

Segundo estudo, dois milhões de adolescentes engravidam antes mesmo dos 15 anos

DIÁRIO DA MANHÃ
DA AGÊNCIA BRASIL

Todos os dias 20 mil adolescentes com menos de 18 anos dão à luz em países em desenvolvimento. Isso representa 7,3 milhões de novas mães por ano nesses países. O número é mais do que dez vezes a quantidade de partos de adolescentes nos países desenvolvidos, 680 mil. Os dados foram divulgados esta semana no relatório anual Situação da População Mundial 2013 do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), organismo da Organização das Nações Unidas (ONU). Neste ano, o tema é Maternidade Precoce: Enfrentando o Desafio da Gravidez na Adolescência.

O estudo mostra que a maior parte dos adolescentes (88%) do mundo está em países em desenvolvimento e que aproximadamente 19% das jovens engravidam antes dos 18 anos. Muitas delas, 2 milhões, engravidam antes mesmo dos 15 anos. O documento aponta que se persistirem as tendências atuais, o número de novas mães antes dos 15 anos pode chegar a 3 milhões em 2030. O relatório apresenta os desafios da gravidez precoce em termos de educação, de saúde e de oportunidades de emprego e faz recomendações aos países.
“Uma gravidez não planejada nesta fase da vida impacta tanto a adolescente, quanto a família e a comunidade em que está inserida. Limita as oportunidades de acesso a uma educação de boa qualidade e futuramente a inserção no mercado de trabalho”, diz a representante auxiliar do Unfpa no Brasil, Fernanda Lopes.
perfil
O levantamento mostra que as gestações, principalmente entre adolescentes com menos de 15 anos, não são resultado de uma escolha deliberada, mas sim da ausência de escolhas e de circunstâncias além do controle das jovens. “A gravidez precoce reflete a falta de poder, a pobreza e as pressões por parte dos parceiros, dos colegas, das famílias e das comunidades. E, em muitos casos, é resultado de violência ou coação sexual”, diz o texto.
Os perfis se repetem, diz Fernanda. “Prioritariamente, são meninas com menos escolaridade e cuja família está no último quintil de rendimento. Isso significa que elas já vivem em um contexto de pobreza, que as famílias já necessitam dos investimentos dos Estados para viverem em condições dignas. Se elas, enquanto membros dessas famílias, constituem novas famílias, a possibilidade delas quebrarem esse ciclo é menor.”
A gravidez delas representa ainda um risco à saúde. São 70 mil mortes de adolescentes por ano por complicações na gravidez e no parto. Além disso, são 3,2 milhões de abortos inseguros entre as jovens todos os anos. De acordo com a Convenção sobre os Direitos da Criança, uma pessoa com menos de 18 anos é considerada uma criança e, por isso, deve receber proteção especial exigida pela idade.
responsabilidade
O relatório diz que é papel dos Estados assegurar essa proteção, ajudar a eliminar as condições que contribuem para a gravidez na adolescência e atenuar as consequências. O documento faz também um apelo a mudanças no perfil e nas abordagens dirigidas aos adolescentes, para que de fato ajudem as meninas a tomar decisões sobre as próprias vidas e ofereçam outras oportunidades que não a maternidade.
As consequências de uma omissão do Estado vão além de prejuízos para a jovem e a família. O estudo traz um levantamento feito pelo Banco Mundial em 2011 do impacto das gestações para a economia. Os cálculos são feitos com base na renda que as mães poderiam ter ao longo da vida caso não tivessem engravidado. No caso do Brasil, o País perde o equivalente a 10% do Produto Interno Bruto (PIB – a soma de todas as riquezas produzidas no País) durante toda a vida dessas mulheres.
Segundo o estudo, o Brasil teria um adicional no PIB de US$ 3,5 bilhões, ou cerca de R$ 7 bilhões, se as adolescentes atrasassem a gravidez para os 20 anos de idade. Dessa forma, “os investimentos para conscientizar os adolescentes beneficiam a economia”, conclui o texto. O índice brasileiro está acima, porcentualmente, do custo dos Estados Unidos ou da China, que equivale a 1% do PIB desses países. E está abaixo de países como a Índia e o Paraguai, com um potencial perdido de 12% do PIB, ou a Uganda, que deixa de produzir o equivalente a 30% do PIB.

Gravidez na adolescência prejudica futuro da mãe e da criança

No Brasil, 12% das adolescentes de 15 a 19 anos tinham pelo menos um filho em 2010, segundo o relatório anual Situação da População Mundial  do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), organismo da Organização das Nações Unidas (ONU), lançado esta semana. Neste ano, o tema é Maternidade Precoce: Enfrentando o Desafio da Gravidez na Adolescência. No País, o texto aponta que adolescentes pobres, negras ou indígenas e com menor escolaridade tendem a engravidar mais que outras adolescentes.
A taxa é menor entre as jovens mais novas. Dados de 2009 mostram que 2,8% das adolescentes de 12 a 17 anos eram mães. “A taxa de natalidade de filhos de adolescentes no Brasil pode ser considerada alta dadas as características do contexto de desenvolvimento brasileiro”, diz o relatório. Para essas jovens, a gravidez, na maior parte das vezes indesejada, representa o afastamento da escola e do mercado de trabalho, além da possibilidade de ter complicações de saúde relacionados à gravidez ou ao parto.
“Além de se afastarem da escola, essas jovens não estão preparadas para cuidar do bebê, que acaba sendo cuidado pela mãe e pelas avós. Essa criança não tem, em geral, as condições de um desenvolvimento adequado. A mãe acaba tendo o próprio futuro e o da criança prejudicados”, avalia o professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), Vicente Faleiros, autor de estudos sobre adolescentes e políticas públicas. Ele aponta outro problema. “Longe da escola, essa menina tende a engravidar outras vezes”, o que dificulta ainda mais a inserção nas escolas e no mercado.
HISTÓRIAS
Cristina Rodrigues Sousa e Tássia Portela são jovens que passaram pela experiência de se tornarem mães antes dos 19 anos. Ambas tiveram que deixar os estudos para se dedicar aos filhos.
Tássia tem 22 anos e está desempregada. Ela teve o primeiro filho com 17 anos e teve que criá-lo sozinha. “O meu filho vai fazer 5 anos em dezembro. O pai dele morreu quando ele tinha 10 meses, foi bem difícil. Foi em um acidente de carro. Eu morava com minha mãe”. Ela começou a fazer uma faculdade, mas não terminou. Hoje, diz que não trocaria o momento que vive. “Você abre mão de certas coisas pra poder cuidar da criança. Apesar de ser nova, sou bem responsável e acho que sou uma boa mãe”, disse Tássia.
Já Cristina engravidou aos 18 anos. Atualmente tem 28 anos e estuda. Ela diz que chegou a trabalhar, mas que “não deu muito certo”. “Foi muito difícil. No início entrei em depressão, pois minha vida havia mudado completamente. Em vez de estar cursando uma faculdade, trabalhando, mas ali estava eu, com um filho. Não dormia mais, não tinha tempo de comer nem de arrumar a casa, roupas de bebê empilhada para lavar e passar”, disse Cristina. Com o passar do tempo, ela conta que amadureceu.
 No entanto, ainda lembra da experiência de contar sobre a gravidez para o pai. “Meu pai sempre foi muito durão em relação a isso, não tive muita instrução sobre sexualidade. Como contar para o meu pai que eu estava grávida? Havia terminado recentemente o ensino médio, não trabalhava, e nem o pai do meu filho. Fiquei sem chão”.
Faleiros diz que a situação é recorrente. “Muitos pais não estão preparados para orientar os filhos”. O professor acrescenta que, nos últimos quatro anos, observou mudanças nas políticas públicas brasileiras. Segundo ele, elas estão mais voltadas para uma atenção específica ao jovens e ao contexto em que estão inseridos, o que é positivo. “Não basta só olhar a barriga da jovem, tem que olhar o contexto, a relação com o pai da criança, que também tem que ser conscientizado. O País já está considerando a adolescente como pessoa, apesar de ainda ter o que melhorar”, analisa.

Gravidez em mulheres com menos de 20 anos caiu no Brasil entre 2000 e 2012

De acordo com o Ministério da Saúde, os casos de gravidez em mulheres com menos de 20 anos diminuiram em todo o Brasil entre os anos de 2000 e 2012. No início da década, cerca de 750 mil adolescentes foram mães no País. Em 2012, o número caiu para 536 mil. A pasta destaca a Rede Cegonha, programa lançado em 2011, e o Programa Saúde na Escola, que funciona desde 2007 e é desenvolvido em conjunto com o Ministério da Educação, como as principais estratégias de prevenção e cuidado da gravidez na adolescência.
“A partir da estratégia da Rede Cegonha, o Ministério da Saúde estabeleceu uma estratégia de cuidado às mulheres e atenção às adolescentes e jovens. Cuidados para melhorar os serviços de atenção básica. Isso, junto com informações e orientações que os jovens recebem nas escolas, serve para que eles possam ter conhecimento para que quando estiverem com namorados e namoradas possam cuidar da saúde”, diz a coordenadora da Saúde do Adolescente e do Jovem do Ministério da Saúde, Thereza de Lamare.
Segundo Thereza, o Programa Saúde na Escola está presente em 85% dos municípios. A Rede Cegonha atende à quase totalidade do País. Pretende-se trabalhar com a prevenção, a educação e também ter condições de fazer com que a jovem não deixe a escola em caso de gravidez.
A maior parte das gravidezes precoces, como aponta o relatório anual Situação da População Mundial do Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa), organismo da Organização das Nações Unidas (ONU), lançado esta semana, ocorrem entre populações vulneráveis. A estratégia do ministério é atuar também com populações isoladas, como quilombolas, indígenas e de ruas.
estratégia
Outra ação da pasta é facilitar e ampliar o acesso a métodos contraceptivos na rede pública e nas drogarias conveniadas do Programa Aqui Tem Farmácia Popular. Atualmente, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), as mulheres em idade fértil podem escolher métodos contraceptivos como: preservativos, anticoncepcional injetável mensal e trimestral, minipílula, pílula combinada, diafragma e dispositivo intrauterino (DIU). Nos últimos cinco anos o SUS distribuiu, em média, 500 milhões de unidades de preservativos masculinos.
Outra questão destacada pela coordenadora é que parte dessas jovens sofreu algum tipo de abuso. O governo deve lançar, nos próximos dias, uma cartilha de estratégias para combater a violência contra crianças e adolescentes.
Para difundir a informação, também fora das escolas, os jovens podem acessar pela internet as Cadernetas de Saúde de Adolescentes (masculina e feminina) e outros materiais voltados para educação sexual. Eles podem também, no mesmo espaço, tirar dúvidas online.

Países são responsabilizados por cenário

A Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu em outubro um alerta orientando que é fundamental o empenho das autoridades para evitar a gravidez entre adolescentes. No mundo todo, uma em cada cinco adolescentes e jovens deu à luz com menos de 18 anos. Nas regiões mais pobres, a proporção passa para uma em cada três. A organização informa que é elevado o número de mortes entre pessoas de 15 a 19 anos que não resistem às complicações pós-parto.
A estimativa é que aproximadamente 3 milhões de jovens, de 15 a 19 anos, submetem-se a abortos ilegais por ano. Pelo menos metade dos bebês de mães adolescentes morre. Também há indicações que eles sejam mais propensos a ter baixo peso ao nascer. A maior incidência (95%) ocorre em países de baixa e média renda.
A entidade diz ainda que os casamentos entre crianças e adolescentes, tradição em alguns povos, geram o aumento da violência e do abuso sexual, elevando também os riscos de infecção pelo vírus HIV. As meninas que casam cedo têm menos acesso à escola e as perspectivas de emprego também diminuem. Em países de baixa e média renda, mais de 30% das meninas se casam antes dos 18 anos de idade e aproximadamente 14% antes dos 15 anos.
As taxas de natalidade entre as mulheres com baixa escolaridade são mais elevadas do que entre as que têm ensino médio e superior. Segundo a OMS, há adolescentes que desconhecem os meios contraceptivos e outras são incapazes de obtê-los.
Também há informações sobre denúncias de violência sexual contra as adolescentes. Mais de um terço das meninas em alguns países relatam que sua primeira relação sexual foi forçada.
saúde
Em 2011, a Assembleia Mundial da Saúde aprovou uma resolução incentivando os países a implementar medidas que levem à melhora da saúde das adolescentes e jovens no mundo. As recomendações têm como objetivo reduzir os casamentos antes de 18 anos, diminuir as gestações entre adolescentes e jovens com menos de 20 anos e aumentar o uso de contraceptivos.
Há ainda metas de reduzir os casos de sexo forçado com crianças, adolescentes e jovens, assim como abortos ilegais e partos precoces. Mais detalhes sobre o estudo podem ser obtidos na página da OMS na internet.