resumo: O artigo trata de aspectos da medicalização do social a partir da apresentação de uma das agências brasileiras de controle da família contemporânea, o Conselho Tutelar, especialmente aquelas enquadradas tecnicamente enquanto ‘em situação de vulnerabilidade social’, ‘pobreza’ e ‘desestrutura’. Para as quais aplica medidas protetivas de caráter obrigatório, problematizando o quanto de desjudicialização real do social estaria havendo com a entrada em cena dessa nova agência. Discute uma possível aproximação dos usos discursivos quanto à família ideal (estruturada) e ser humano ideal (controlado e produtivo), apresentando o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e seu tratamento como exemplo de conduta medicamentosa de conotações de controle social, destacadamente nos períodos escolares.
É crescente a medicalização do social com destaque ao controle químico de crianças e adolescentes, aliada e propulsora do poder psiquiátrico ancorado numa perspectiva de neurociências enquanto ciência neutra de normalização social a partir do controle cerebral. Crescimento que ocorre em contexto de certa retração de conquistas sociais ainda pouco encaradas enquanto tal por boa parte da população brasileira, por intermédio da ação potente de muitos grupos que se sentem atacados em seus modos de vida pela explicitação de outros modos de vida. Uma conjuntura em que loucos(as), dependentes e usuários(as) de drogas, homossexuais, populações indígenas e quilombolas e setores das juventudes são convidados(as) a voltar ao manicômio, às clínicas, ao‘armário’, às matas, a casa calados(as) ou discretos(as), respeitando a normalidade branca, sã, heterossexual, religiosa, das pessoas de bem. Portanto, esse é tema prioritário para quem se ocupa de discutir e difundir princípios elementares de convivência social que suportem esse extremo incômodo do binômio da diversidade/direitos humanos.
Nesse contexto histórico mesmo a afirmação de direitos pode se travestir da negação de direitos pela ação burocrática e cartorial dos(as) agentes responsáveis por sua garantia, inclusive porque apenas o viés jurídico-procedimental não dá conta da complexidade das relações sociais. Por exemplo, conforme HECKERT e ROCHA (2012): “Em nome do respeito aos direitos da infância e juventude, assistimos a intensificação dos processos de regulamentação de suas vidas e de suas famílias. Fichas de controle de assiduidade dos alunos na escola, bem como mecanismos de notificação aos conselhos tutelares de qualquer ação que confrontem as normas escolares, têm se espraiado pelo país, sendo justificadas como dispositivos de proteção da infância e da juventude e de prevenção dos riscos sociais.” (HECKERT; ROCHA, 2012, p. 88).
Colaborando para a hipótese levantada por KAMERS (2013), de que “se atualmente o discurso médico-psiquiátrico converteu-se no principal dispositivo regulador do normal e do patológico na infância, isso se dá graças às instituições de assistência à infância – a família, a escola, o conselho tutelar, as clínicas privadas, as unidades de saúde – que demandam à medicina uma intervenção medicamentosa sobre a criança.” (KAMERS, 2013, p. 162)
Portanto, embora o Conselho Tutelar não figure em nenhum organograma como serviço ou órgão de saúde, é instituição crescentemente chamada a intervir quando ‘alunos entram em surto’, ‘alunos não respeitam a professora’, ‘uma criança relata que o pai abusou sexualmente dela’, ‘uma mãe precisa de tratamento para o alcoolismo’, entre outras situações.
Portanto, embora o Conselho Tutelar não figure em nenhum organograma como serviço ou órgão de saúde, é instituição crescentemente chamada a intervir quando ‘alunos entram em surto’, ‘alunos não respeitam a professora’, ‘uma criança relata que o pai abusou sexualmente dela’, ‘uma mãe precisa de tratamento para o alcoolismo’, entre outras situações.
Essa proximidade de intervenção em contextos familiares é decorrente de várias atribuições de controle social do Conselho Tutelar, antes competência exclusiva do Poder Judiciário (à época dos Códigos de Menores) ou do poder executivo (como controle à frequência escolar), que passaram também para a sociedade civil com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA –, em 1990. Inclusive, desde então, qualquer família ou indivíduo só pode recorrer de decisão do Conselho Tutelar à autoridade judiciária – que pode revê-la ou mantê-la. Assim, ao mesmo tempo em que tal mudança da organização jurídica do país no pós 1988 cria certa desjudicialização do social, também investe o Conselho Tutelar de potencial ou real poder tutelar de controle, aumentando o número e a abrangência de agências de regulação social. Até porque o Conselho Tutelar é órgão de Estado.
Mas, efetivamente, o Conselho Tutelar tem menos características de conselho municipal e mais de agência de controle público e intervenção na família. Integrado à rede de serviços municipais é o conselho municipal mais próximo das políticas públicas em sua execução cotidiana, trabalhando diretamente com todas as instituições e serviços de atendimento à criança e ao adolescente, das unidades básicas de saúde aos hospitais, da escola aos serviços de suporte à mesma, dos centros de referência em assistência social às instituições asilares de acolhimento institucional, etc.
Ente ímpar no tecido jurídico e administrativo da gestão pública brasileira, o Conselho Tutelar é formado por cinco pessoas escolhidas entre a população de cada municipalidade, e é o único conselho municipal: a) com representação exclusiva da sociedade civil (sem integrantes governamentais); b) não subordinado ao governo municipal, do qual é fiscal quanto à execução de políticas de proteção às crianças e adolescentes, e c) que pode determinar medidas administrativas (protetivas) que interfiram na vida de indivíduos e nas relações familiares. Suas demais atribuições e competências, como a fiscalização e encaminhamentos para o Ministério Público e para o Poder Judiciário de situações que lhes competem, a incidência sobre o orçamento público e requisição de serviços e documentos, outros conselhos municipais também têm, cada um em sua área específica.
A partir de meu percurso na área de atendimento aos direitos humanos de crianças e adolescentes, em que fui conselheiro tutelar, gestor de serviço de acolhimento (abrigo), docente de adolescentes em turmas do Programa Jovem Aprendiz e, atualmente, supervisor/professor nos Cursos de Capacitação da Escola de Conselhos do Rio Grande do Sul, verifiquei – por diversas vezes nas últimas duas décadas – como o discurso mágico da medicalização acaba por preencher muitos vazios: das lacunas do processo de ensino (que compõe e informa em boa medida a possibilidade de aprendizagem), das violências domésticas e alguns de seus produtos, das dificuldades contemporâneas de pais e mães responderem as exigências sociais da criação/educação de seus filhos e filhas, do abismo socioeconômico que infringe muitas vulnerabilidades e sofrimentos (num país em que cerca de 60% da população economicamente ativa ganha até dois salários mínimos), da intolerância e desrespeito para com as diversidades de modos de vida de alguns segmentos sociais, entre outros aspectos.
Nesses lugares de inserção, enquanto trabalhador do (e no) social, pude perceber o quanto essa agência pública, Conselho Tutelar, é acionada para legitimar prescrições sociais de pais/mães e professores(as), com o discurso da busca de resolução do problema da criança, do problema na criança, ajudando a criar ou referendar a ideia da criança-problema. Dessa passagem de adjetivo à substantivo o problema é encapsulado num corpo, num nome, que responde e libera todo contexto (familiar, comunitário, escolar e social mais amplo) de qualquer implicação ativa com a situação posta. Finalmente, espera-se que a criança-adolescente-problema comporte-se e, utilizando jargão deste tempo histórico, ‘tenha limites’. Uma soma que não implica acúmulo nenhum na defesa de direitos, mas responde ao chamado social de contenção, em que o cliente ou o sujeito de direitos a quem se responde deixa de ser a criança ou o adolescente e passa a ser o/a adulto/a que diz não poder dar mais conta dessa criança ou adolescente. Portanto, num processo continuo de produção social da criança e do adolescente enquanto um problema. De forma muito semelhante ao processo que tínhamos no Brasil ao tempo dos Códigos de Menores e FUNABEM.
Neste tempo novo, do final dos anos de 1980 até hoje, várias construções de políticas públicas são instadas e, a partir de 1990, principalmente o Conselho Tutelar, a intervir nas duas principais instituições sociais de atenção à criança, a família e a escola. Essa última reconhecida no social como a ‘segunda família’.
Desde 1990, parece-me indispensável que se saiba, que o ECA disciplinou algumas ações em políticas públicas setoriais, como em assistência social, educação e saúde, naquilo que tem de especificidade na atenção do segmento etário crianças e adolescentes, pessoas definidas naquela lei como pessoas entre o nascimento e os dezoito anos incompletos, já credores de direitos desde a gestação. Isto porque o Conselho Tutelar é, por definição legal, o órgão que deve zelar pelo cumprimento dos direitos de crianças e adolescentes previstos no ECA. E a política de saúde tem destaque importante na redação original e posterior do texto estatutário, em que está estabelecido: “A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. (Art. 7º) É assegurado atendimento integral à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.” (Art. 11).
Na sequencia, o ECA estabelece uma série de cuidados com o pré e o pós-natal, destacando o suporte à gestante e recém-nascido/a, refletindo em boa medida a preocupação do final dos anos 1980 com os altos índices brasileiros de mortalidade infantil (entre os maiores do mundo à época) e com o aleitamento materno como forma de minimizá-lo. Além disso, o texto estatutário trata da identificação de recém-nascidos/as, condições de atenção à mulher-mãe, combate a práticas de “adoção à brasileira” (que, nos hospitais, entre outras, traduzia-se na destinação de bebês a famílias específicas, sem formalização legal – como se filhos biológicos fossem) e busca de redução aos maus-tratos institucionais à mulher que não quer assumir a maternidade da criança recém-nascida. Também a cobertura de vacinação, a atenção à pessoa portadora de deficiência e a garantia de acompanhamento familiar à internação hospitalar de crianças e adolescentes foram alvo de cuidado, recebendo determinações específicas.
Quanto a vinculação do Conselho Tutelar com a política de saúde pode-se afirmar que seu vínculo jurídico mais evidente, além de dever zelar pelos direitos anteriormente referidos, especialmente no combate a violências sociais, pode ser encontrado no artigo 13 do ECA, que determina que “os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra crianças e adolescentes serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar”. Previsão legal que se estende a outras políticas públicas, como a educação, com a previsão de que dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de maus-tratos envolvendo seus alunos, reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar - esgotados os recursos escolares – elevados níveis de repetência.
Incluída entre os agravos à saúde que necessitam ser notificados compulsoriamente por profissionais e serviços, as violências contra crianças e adolescentes, mulheres e idosos conta com regulamentações de leis específicas e normatização do Ministério da Saúde, com formulário nacional, a Ficha de Notificação/Investigação Individual – Violência Doméstica, Sexual e/ou Outras Violências Interpessoais.
Incluída entre os agravos à saúde que necessitam ser notificados compulsoriamente por profissionais e serviços, as violências contra crianças e adolescentes, mulheres e idosos conta com regulamentações de leis específicas e normatização do Ministério da Saúde, com formulário nacional, a Ficha de Notificação/Investigação Individual – Violência Doméstica, Sexual e/ou Outras Violências Interpessoais.
Portanto, o Conselho Tutelar seria a autoridade pública número um nas cidades para tratar de questões envolvendo suspeita ou confirmação de violências sociais, definidas no ECA como violações de direitos, a crianças e adolescentes. Embora, claro, a intervenção conselheira não deveria ser a intervenção de profissional de saúde ou educação com conhecimento técnico sobre o assunto, pois não é o Conselho Tutelar um serviço de atendimento em nenhuma política pública – a não ser a de direitos humanos. Mas seria, portanto, de um órgão técnico em direitos humanos de crianças e adolescentes, definição de todo possível quanto ao lugar sócio técnico de conselheiros(as) tutelares, que são chamados(as) a assumir posição na discussão sobre temas de interesse dos direitos de crianças e adolescentes, como quanto a redução da idade penal, exploração do trabalho infantil e juvenil, homofobia, e outros mais. Temas complexos e controversos, que precisam implicar em ações e demandam postura ético-profissional a um só tempo aberta ao diálogo e rigorosa na defesa de direitos humanos.
Um tema que precisaria entrar nessa agenda de discussões, me parece, é justamente o da medicalização e, nestes tempos recentes, da internação psiquiátrica de crianças e adolescentes. Pois, mesmo que não caiba ao Conselho Tutelar prescrever ou invalidar prescrição técnica, lhe caberia questionar, da mesma forma que pode fazer com outras medidas protetivas, quais as que melhor atendem ao direito de cada criança e adolescente, não se balizando apenas pela oferta ou falta de oferta de equipamentos e serviços, e a necessidade de ‘se trabalhar com o que tem’. Inclusive porque o Conselho Tutelar, juridicamente, não requisita apenas serviços e ações existentes nas cidades/regiões de sua intervenção, bem como pode requisitar o que for necessário e mais adequado ao bom atendimento dos direitos de cada criança/adolescente e ainda, se necessário (além da rede de serviços), realizar essa ação articulada com o Ministério Público, Defensoria Pública e Poder Judiciário. Requisições que precisariam estar ancoradas em pareceres técnicos que digam de suas necessidades e urgências – auxiliando no reforço de ações de instituições como os CAPS e CRAS –, e também porque, por exemplo: “Embora os serviços de saúde sejam parceiros para ajudar na avaliação e tratamento das crianças vítimas de violência, seu poder de proteção da criança é limitado (poucas vezes podem utilizar as chamadas ‘internações hospitalares sociais’) e, tal como a escola, não têm poder de responsabilizar quem cometeu violência. Uma iniciativa a ser utilizada pela escola para acionar as ações de proteção e responsabilização é a notificação ao Conselho Tutelar.” (FERREIRA, 2010, p. 208).
Mas o que pode fazer um Conselho Tutelar com situações de violência/violação de direitos?
Variadas são as possibilidades que vão depender das lentes analíticas de cada conselheiro(a), de seu território existencial e das opções que toma em cada situação. Assim como o resultado do encontro dessas verticalidades pessoais no trabalho cotidiano, previsto para ser executado de forma coletiva e horizontal, numa sociedade que está apenas aprendendo – em todas as áreas – o que venha a ser isso.
A interpretação majoritária no campo jurídico e educacional dos segmentos, que defendem o ECA como mecanismo que pode incidir para a garantia da proteção integral, é de que por meio das medidas previstas no ECA, se deva primeiramente possibilitar o fim do ciclo de violências/violações, preferencialmente junto à família de origem da criança/adolescente atendida, que precisaria ser instada a contribuir de forma protagonista nesse processo.
Nesse sentido, também essas correntes majoritárias em defesa do ECA, entendem que a responsabilização de pais/responsáveis só pode ser realizada pelo Conselho Tutelar enquanto convocação e apoio, a que esses assumam suas atribuições. Já qualquer responsabilização enquanto previsão de sanção (administrativa ou penal), a exceção da Advertência (que teria um uso mais educativo de um chamado à atenção, do que punitivo), absolutamente não seria de competência desse conselho, sendo-o do Ministério Público e do Poder Judiciário (os quais deveriam ser provocados a agir pelo Conselho Tutelar e poderiam sê-lo diretamente por qualquer profissional, instituição ou serviço).
Nesse sentido, também essas correntes majoritárias em defesa do ECA, entendem que a responsabilização de pais/responsáveis só pode ser realizada pelo Conselho Tutelar enquanto convocação e apoio, a que esses assumam suas atribuições. Já qualquer responsabilização enquanto previsão de sanção (administrativa ou penal), a exceção da Advertência (que teria um uso mais educativo de um chamado à atenção, do que punitivo), absolutamente não seria de competência desse conselho, sendo-o do Ministério Público e do Poder Judiciário (os quais deveriam ser provocados a agir pelo Conselho Tutelar e poderiam sê-lo diretamente por qualquer profissional, instituição ou serviço).
A violação de direitos é entendida no Brasil como uma violência social ou de Estado contra os direitos humanos, civis, econômicos, culturais e políticos de seus/suas cidadãos/cidadãs. Tais direitos, quando explicitados juridicamente, nacional ou internacionalmente, em documentos aceitos em cada país devem ter a salvaguarda do Estado. E o Conselho Tutelar deve agir exatamente aí, quando tal garantia não está viabilizada suficientemente para assegurar a proteção/cuidado ou quando o Estado opera para a negação de direitos, violando-os . E não somente quando o Estado age, deixa de agir ou abusa de seu poder. Pelo artigo 98 do ECA: “As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; em razão de sua conduta”.
Explicitamente o Conselho Tutelar tem a atribuição de atender às crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos artigos 98 (supramencionado) e 105, que trata do cometimento de ato infracional por criança, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII. Assim como de atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas previstas no art. 129, I a VII (ART. 136/ECA). Essas medidas protetivas, apresentadas na tabela a seguir apenas aquelas para as quais o Conselho Tutelar é a autoridade competente, destinam-se a reverter violações de direitos humanos constatadas por essa agência pública, ou decorrente de pedido de intervenção de outro agente público, como a promotoria de justiça, escola, unidade básica ou serviço especializado de saúde. Assim como de pais/responsáveis e pelas próprias crianças e adolescentes.
Art. 101/ECA: Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas (na ausência de pais/responsável):
I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII - acolhimento institucional.
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII - acolhimento institucional.
Art. 129/ECA: São medidas aplicáveis aos pais ou responsável (para que estes/as ajam na reparação do direito violado):
I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;
II - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
III - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
IV - encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua frequência e aproveitamento escolar;
VI - obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado;
VII - advertência.
IV - encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua frequência e aproveitamento escolar;
VI - obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado;
VII - advertência.
Nesta tabela fica visível a competência legal do Conselho Tutelar em agir e das medidas protetivas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente quanto à saúde, inclusive saúde mental. Pode requisitar tratamento em regime hospitalar ou ambulatorial e incluir criança ou adolescente em programa de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos, determinar que pais ou qualquer responsável legal venham a integrar, ou encaminhar a criança ou adolescente a programa de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos, tratamento psicológico ou psiquiátrico ou qualquer outro tratamento especializado. Já aconselhar (Art. 136/ECA) é medida apenas prevista na relação do Conselho Tutelar com pais/responsáveis, na lógica de apoio/suporte aos pais/responsáveis.
Por evidente, avaliando o serviço requisitado de que houve equivoco do Conselho Tutelar quanto ao melhor atendimento, deveria o mesmo acionar o órgão para reavaliação do encaminhamento havido, preferencialmente já sugerindo que outro serviço ou política pública podem ser acionados para o bom atendimento da criança/adolescente/família.
Em todo caso, avaliando que houve abuso ou omissão de pais/responsáveis o Conselho Tutelar pode aplicar a medida de Advertência referentemente a eventuais descumprimentos de obrigações de guarda de criança/adolescente (escolarização, atenção em saúde, alienação parental, etc.), normalmente enquadradas como Negligências. Sendo que se suas deliberações não forem cumpridas por pais ou outros responsáveis, podem (quando injustificadas) ser encaminhadas ao Ministério Público ou à Justiça da Infância e Juventude para suas providências, que podem incluir suspensão ou destituição do Poder Familiar (sucessor jurídico do Pátrio Poder).
Para efeitos da análise proposta nesta reflexão interessou-me também pensar, de um lado, sobre a competência do Conselho Tutelar em aplicar medidas protetivas de atenção à saúde de um grupo familiar ou indivíduo, assim como de requisitar serviços públicos de atenção à saúde, especialmente à saúde mental. Isto porque essa função tem a ver com parte da herança que recebeu do Poder Judiciário. Trata-se de competência e legitimidade jurídica para determinar ações que, eventualmente, podem ser contrárias ao entendimento de quem as deve cumprir (expressão tradicional do poder coercitivo de Estado).
Nesse sentido, cabe refletir que, apesar do Estatuto da Criança e do Adolescente destinar-se a todas as crianças e adolescentes brasileiros, a atuação dessa agência pública se concentra em intervenções sobre os segmentos mais em situação de vulnerabilidade da população, notadamente as famílias pobres. KAMERS (2013), a partir de sua experiência como profissional de atendimento ‘na ponta’ e professora universitária que estuda o que denomina de fabricação da loucura na infância, avalia que existe uma mesma lógica nos encaminhamentos realizados pelas instâncias diversas que “demandam tratamento para a criança consiste em um ciclo repetitivo: a escola, confrontada com as dificuldades de aprendizagem ou indisciplina da criança, solicita à família uma intervenção. Diante da “dita” insuficiência da intervenção parental, a escola ou encaminha a criança ao neuropediatra ou psiquiatra infantil, ou aciona o conselho tutelar, alegando negligência familiar. Em nossa experiência no consultório privado, em que atendemos uma clientela de nível socioeconômico mais favorecido, a situação não é muito diferente, com exceção de um aspecto: a vulnerabilidade frente à tutela e vigilância do Estado.” (KAMERS, 2013, p. 154).
O poder controlador e disciplinar do Estado, mesmo via o Conselho Tutelar, busca controlar e prescrever condutas (pedagogias sociais) para famílias em situação de vulnerabilidade social. Expressão que poderia representar diversas ordens de fragilidade (famílias estrangeiras recém-chegadas, famílias que estão passando por situação conjunturalmente difícil por morte ou invalidez de algum de seus membros, etc.), geralmente é entendida como decorrente apenas de situação socioeconômica, associada a outros agravantes. Ou seja: famílias pobres e, por pobres, desestruturadas, e, portanto, necessitadas de intervenção de agências públicas diversas e seus controles reguladores. Ou seria isso muita simplificação?
Contemporaneamente, essa concepção de vulnerabilidade é estranha às políticas de direitos humanos que devem informar as demais políticas públicas. Para o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), por exemplo: “Pobreza pode ser igualmente definida tanto como a falta de liberdades básicas – do ponto de vista das capacidades – quanto como o descumprimento dos direitos a estas liberdades – do ponto de vista dos direitos humanos.”. Descumprimento que foge, por óbvio, das capacidades individuais das famílias darem respostas, pois decorre de modelos sociais em que os sistemas econômicos que ditam a distribuição de riqueza nas sociedades estão assentados na produção social da pobreza, que é funcional à própria existência desses sistemas econômicos que respondem genericamente pelo nome de capitalismo. Trata-se, assim, de descumprimento e inobservância de direitos constituídos socialmente, sob os auspícios de um Estado de Direito que não garante direitos, de um Estado de Mal-Estar Social, para amplos segmentos sociais.
Além disso, em termos de Brasil, FONSECA (2005) analisando a intervenção de técnicos de saúde, da assistência social e conselheiros/as tutelares em famílias, avaliou que: “desestruturada” é uma palavra usada para descrever a família dos outros. Não simplesmente outros... ainda por cima, pobres. É como se, numa espécie de lógica post ipso facto, uma pessoa bem-sucedida, por definição, não poderia vir de uma família desestruturada. Passando por esse tipo de filtro classista, conseguimos usar, para ricos e pobres, termos diferentes, carregados de avaliações opostas, para descrever comportamentos muito semelhantes (FONSECA, 2005, p. 56):
Ricos “escolhem” sua família = Pobres “submetem-se” à biologia.
Maternidade assistida = Controle de natalidade.
Produção independente = Mãe solteira.
Família recomposta (divórcio e recasamento) = Família desestruturada.
Maternidade assistida = Controle de natalidade.
Produção independente = Mãe solteira.
Família recomposta (divórcio e recasamento) = Família desestruturada.
Ainda, segundo a autora, seria necessário então que se descolonizasse o olhar técnico quando da intervenção na família (dos outros), buscando perceber suas positividades e formas originais de organização, ao invés de lentes que só evidenciam carência, inadequação ou desestrutura – não negando os reflexos evidentes da pobreza.
A partir dessas contribuições, parece que essa busca de um ideal de família (da ficcional família estruturada) é muito próxima da busca do ser humano ideal, controlado e produtivo, e, portanto, dialoga muito de perto com a noção de que há um tipo familiar/humano normal e outro patológico/anormal. Situação em que somos convidados/as a pensar o tempo todo em termos de normal e patológico, ajustado/desajustado. JERUSALINSKY e FENDRIK (2011), indagam e propõe uma reflexão de todo interessante e oportuna: "Quem hoje não conhece um TDA, um TDG, um TOC? Quem está isento de sofrer um transtorno alimentar, de sono, uma adição, um transtorno de comportamento sexual? A ligeireza (e imprecisão) com que as pessoas são transformadas em anormais é diretamente proporcional à velocidade com que a psicofarmacologia e a psiquiatria contemporânea expandiram seu mercado. Não deixa de ser surpreendente que o que foi apresentado como avanço na capacidade de curar tenha levado a ampliar em uma progressão geométrica a quantidade de “doentes mentais”." (JERUSALINSKY; FENDRIK, 2011, p. 6).
A partir dessas contribuições, parece que essa busca de um ideal de família (da ficcional família estruturada) é muito próxima da busca do ser humano ideal, controlado e produtivo, e, portanto, dialoga muito de perto com a noção de que há um tipo familiar/humano normal e outro patológico/anormal. Situação em que somos convidados/as a pensar o tempo todo em termos de normal e patológico, ajustado/desajustado. JERUSALINSKY e FENDRIK (2011), indagam e propõe uma reflexão de todo interessante e oportuna: "Quem hoje não conhece um TDA, um TDG, um TOC? Quem está isento de sofrer um transtorno alimentar, de sono, uma adição, um transtorno de comportamento sexual? A ligeireza (e imprecisão) com que as pessoas são transformadas em anormais é diretamente proporcional à velocidade com que a psicofarmacologia e a psiquiatria contemporânea expandiram seu mercado. Não deixa de ser surpreendente que o que foi apresentado como avanço na capacidade de curar tenha levado a ampliar em uma progressão geométrica a quantidade de “doentes mentais”." (JERUSALINSKY; FENDRIK, 2011, p. 6).
Nesse sentido, atualmente, em termos de infância e juventude, a medicalização do social no Brasil passa pela escola, maior instituição de atendimento desse segmento etário da população e cujas demandas de aprendizagem comumente têm ligação a demandas de ordem clínica variadas, desde medições e encaminhamentos para averiguar/tratar de eventuais problemas sensório-motores até quanto ao grau de normalidade psíquica de estudantes. Muito embora, por evidente, haja também em ação, e de forma importante, certo modo de cuidar/educar de muitos/as pais/responsáveis que se somam a esse coro medicamentoso, demandando igualmente corpos dóceis e mais maleáveis ao controle. E, para isso, como em outros âmbitos sociais, buscam o consumo instantâneo (mágico) do fim da dor e dos aborrecimentos por mil e um subterfúgios bioquímicos.
Exemplo interessante, e atual, disso nos traz a leitura do Boletim de Farmacoepidemiologia do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), de 2012, dando conta de que nosso país é o segundo do mundo em consumo de Metilfenidato (atrás dos EUA), medicamento psicoestimulante, comercializado com os nomes Ritalina e Concerta, aprovado para o tratamento do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). No documento da ANVISA, são apresentados os seguintes e peculiares “sinais e sintomas de TDAH em crianças”:
Tem dificuldade para prestar atenção e passa muito tempo sonhando acordada
Parece não ouvir quando se fala diretamente com ela (criança)
Distrai-se facilmente ao fazer tarefas ou ao brincar
Esquece as coisas
Move-se constantemente ou é incapaz de permanecer sentada
Inquieta
Fala excessivamente
Incapaz de brincar calada
Atua e fala sem pensar
Tem dificuldade para esperar sua vez
Interrompe a conversa de terceiros
Parece não ouvir quando se fala diretamente com ela (criança)
Distrai-se facilmente ao fazer tarefas ou ao brincar
Esquece as coisas
Move-se constantemente ou é incapaz de permanecer sentada
Inquieta
Fala excessivamente
Incapaz de brincar calada
Atua e fala sem pensar
Tem dificuldade para esperar sua vez
Interrompe a conversa de terceiros
É normal que em algumas ocasiões as crianças tenham dificuldades para concentrar-se e, também, problemas de comportamento. Entretanto, nas crianças com TDAH os sintomas continuam em vez de melhorar e isso pode dificultar o aprendizado.
Sintomatologia que, a exceção de casos mais graves em que estão variados sinais e sintomas associados, bem descreve qualquer criança. Como outras crianças podem ser descritas pela verificação de que ‘fala pouco ou nada’, ‘incapaz de falar e brincar ao mesmo tempo’, etc. Dito em outras palavras, admitindo-se que existam casos de crianças que possam apresentar tal transtorno, e que alguns casos precisem de medicação, esse alastramento avassalador de diagnósticos e medicalização evidenciariam uma epidemia (ou quase uma anomalia geral das crianças), maior que outras ‘epidemias anunciadas’, como a do Crack. Conhecidas como “drogas da obediência”, Ritalina e Concerta tiveram aumento de 75% em seu consumo entre crianças e adolescentes na faixa dos seis aos 16 anos, apenas entre 2009 e 2011.
Mas o boletim da ANVISA traz um dado mais esclarecer e alarmante quanto à medicalização de crianças e adolescentes: o uso de Ritalina e Concerta se concentra no segundo semestre de todos os três anos pesquisados e diminui nos períodos das férias escolares. O que comprova relação importante entre a escola e o uso desses medicamentos de tarja preta, com potencial risco de causar “dependência física e psíquica”. Dito menos eufemisticamente: risco de causar dependência química a uma droga legal.
Finalmente, pode ser interessante pensar que intervenções na família, do Conselho Tutelar ou de qualquer outra agência social, podem tanto contribuir para uma maior medicalização da vida em sociedade, especialmente da infância e juventude, quanto para questioná-la enquanto inadequado mecanismo de regulação das relações sociais entre indivíduos e entre grupos humanos diversos.
Questionar e subsidiar tecnicamente o Conselho Tutelar, assim como o Ministério Público e o Poder Judiciário, numa ação propositiva que alcance todos os integrantes do Sistema de Garantia de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes, sobre a contenção química de crianças e adolescentes escolares, parece um caminho necessário para se desnaturalizar processos que ao invés de promover o direito a saúde, a educação e a convivência familiar e comunitária, podem estar promovendo o seus contrários.
Inclusive porque, algemas químicas estão sendo questionadas quando para uso com caráter penal. Para efeitos protetivos, ao que tudo indica, e com mais vigor também precisam ser questionadas, em escolas, instituições de acolhimento e de atendimento socioeducativo. Inclusive porque atar, amordaçar e imobilizar são signos de outros tempos jurídicos e terapêuticas. Ou não são?
Afinal de contas, existem muitas outras tecnologias de como se lidar com a dor, com a dispersão, com a tristeza, com a felicidade, que não a supressão de sentimentos pela ‘racionalidade’ contida dentro de minicaixas de Pandora da indústria farmacêutica e seu estoque de mágicas com as quais, como na mitologia, os seres humanos – e especialmente crianças e adolescentes – não deveriam brincar.
Referências:
Referências:
BRASIL. ANVISA. Prescrição e consumo de metilfenidato no Brasil: identificando riscos para o monitoramento e controle sanitário. Boletim de Farmacoepidemiologia. Ano 2, nº 2; jul./dez. de 2012. Acesso em: 15/06/2013. Disponível em:
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