Municipalização das Unidades de Saúde Estaduais
Nestes dias que antecedem as pré-Conferências Municipais de Saúde de São Paulo, como preparação para a Conferência Municipal de 2013, pretendo transmitir em linguagem de fácil compreensão um dos temas que entendo ser fundamental para o amplo debate da sociedade, ou seja, a transferência para o governo municipal das unidades de saúde instaladas na cidade de São Paulo que ainda continuam sob a gestão do governo estadual.
O momento político é favorável à transição. Não dá mais para esperar que um anjo munido de espada de fogo desça dos céus e determine aos secretários estadual e municipal de saúde que executem de uma vez por todas a municipalização que aconteceu de maneira parcial a partir do governo de Marta Suplicy. Naquela ocasião em que a prefeita recebeu a herança do pernicioso PAS do prefeito antecessor, Paulo Maluf, optou-se pela gestão plena de saúde em conformidade com o Sistema Único de Saúde. E o que isso queria dizer? Queria dizer que as unidades de saúde que se encontrassem instaladas na área territorial do município deveriam passar a ser conduzidas pela Secretaria Municipal de Saúde, com exceção dos três hospitais grandes, ou seja, Hospital das Clínicas, Hospital São Paulo e Santa Casa.
Diferente de agora, na época o momento político não era favorável o que contribuiu para o afrouxamento de ambas as partes, ou seja, o governo municipal recuou diante da recusa do governo estadual que obviamente tinha interesses em manter certas unidades sob sua tutela. Os municípios do interior, por incompetência do estado, estavam desassistidos no tocante aos casos de maior complexidade e, para tanto, necessitavam do auxílio dos hospitais e ambulatórios de especialidade de São Paulo para que pudessem atender suas demandas. E desta forma cito como exemplo hospitais Santa Marcelina na zona leste, Complexo Hospitalar do Mandaqui na zona norte, Hospital Brigadeiro do centro, Ambulatórios Médicos de Especialidade Maria Zélia e Várzea do Carmo, entre outros, que continuaram sob as garras do governo estadual.
Citarei alguns exemplos práticos do que vem acontecendo desde então.
O Complexo Hospitalar do Mandaqui de gestão estadual funciona através da administração direta. Isso quer dizer que seus funcionários são estatutários, são funcionários públicos. Esse hospital conta em seu quadro com mais de quinhentos médicos recebendo mensalmente seus salários através dos impostos que nós pagamos. E, no entanto, as dificuldades para fechar os quadros de plantão são enormes. Onde estão os doutores do Mandaqui? Próximo a esse hospital encontra-se instalado o Centro de Referência do Idoso (CRI), também sob a gestão do governo estadual, mas, administrado por uma Organização Social, a Irmandade Santa Catarina. O CRI tem dificuldades ao encaminhar pacientes idosos para realizar exames de maior complexidade no Hospital do Mandaqui. E, não dá para entender o porquê disso, uma vez que ambos continuam com o governo estadual. Ou talvez seja porque as centrais de vagas do município e do estado não funcionem de maneira engajada e cada uma resolve à sua maneira, o que é intolerável para o usuário do sistema. A municipalização dessas duas unidades precisa acontecer.
O Hospital Brigadeiro de gestão estadual é administrado por uma Organização Social, a Sociedade Paulista para Desenvolvimento da Medicina, SPDM. Só não enxerga quem não quer que este hospital é sufocado pelo número de atendimentos de milhares de pacientes com diferentes patologias que são encaminhados em caravanas provenientes dos municípios do interior do estado, e com isso acaba disponibilizando, comparadamente, um número insignificante de vagas para pacientes paulistanos. Eu presenciei, ao vivo e a cores, caravanas das cidades de Mogi-Guaçú, Mogi-Mirim, Itapira, Pinhal, Cravinhos, entre outras. Os pacientes chegam ao hospital em Vans com capacidade para carregar quatorze pessoas cada. Saem de suas cidades duas horas da manha para chegar antes das sete horas em São Paulo. Passam o dia no hospital enquanto aguardam ao final da tarde as Vans para retirá-los, como mercadorias, para a cansativa jornada de centenas de quilômetros de volta às suas cidades. O que não dá para entender, é que, no mesmo dia, o mesmo município do interior consiga encaminhar de uma vez só até trinta pacientes com diferentes patologias. A imaginação me leva a crer que aconteça um fura-fila desrespeitoso arquitetado por interesses de quem pode mais, passando a frente de milhares de pessoas que aguardam meses para serem atendidos neste sistema podre. Desta forma não há neste mundo regulação ou central de vagas que funcione adequadamente.
O AME Maria Zélia de gestão estadual é administrado pela Organização Social SDPM. Esse ambulatório de especialidade, além do atendimento médico com especialistas, também faz pequenas cirurgias, tem um setor para fisioterapia, um setor para exames por imagem, um laboratório de analises clinicas altamente eficiente, mas, e assim eu entendo, acaba sendo prejudicado por ter conjugado em suas dependências uma farmácia de alto-custo que atrai diariamente milhares de pessoas oriundas de todas as localidades da cidade e de outras cidades pertencentes à região metropolitana em busca de remédios controlados e outros. E quando digo prejudicado é porque a farmácia, além de provocar uma superlotação diária, acaba consumindo recursos que poderiam estar sendo aplicados na contratação de mais médicos para o atendimento de especialidades. Entendo que a farmácia de alto-custo deveria funcionar em local separado e com rubrica de custo própria. Outra coisa, o AME Maria Zélia assemelha-se às unidades Hora Certa que o prefeito Fernando Haddad pretende implantar em cada uma das Subprefeituras. Municipalizando o AME Maria Zélia, a Prefeitura terá uma unidade Hora Certa prontinha para funcionar. Semelhante ao Hospital Brigadeiro, eu constatei a presença de caravanas das cidades de Cajamar e Poá neste AME.
Muito bem, esses foram apenas alguns exemplos práticos. Como eu disse no inicio o momento político é favorável à municipalização. O prefeito deve corresponder aos anseios de seus eleitores. O secretário municipal de saúde deve enfrentar essa situação com vontade, coragem e perspicácia. Recuar, como ele disse em uma de suas falas, em que eu estava presente, dizendo que a administração municipal é petista, a estadual é tucana, e que desta forma o diálogo é restrito em alguns aspectos. Considerações deste tipo são tristes de se ouvir, ainda mais quando os paulistanos ainda estão esperançosos de que ocorram mudanças no sistema para melhor. Eu creio que se o secretário municipal de saúde, engenheiro e político de Diadema, aceitou o cargo, ele tem por obrigação dar retorno favorável ao paulistano usuário do sistema público de saúde. Ele precisa se conscientizar de que São Paulo é muito maior do que Diadema. E por que não dizer que precisa ter saco roxo, chutar a bola e marcar gol. Ou se assim não for que pegue o chapéu e retorne ao seu rincão.
Eduardo Bizon - Conselheiro Gestor de Saúde - Hospital Vereador José Storopolli