É urgente e absolutamente necessária a adoção de medidas por parte do Ministério da Saúde para a captação e fixação de médicos, incluindo-se a contratação emergencial de médicos estrangeiros para atuação na Atenção Básica em áreas carentes do território nacional. Esta é a posição defendida pelo Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo (COSEMS/SP), entidade que representa os gestores da saúde dos 645 municípios paulistas.
O país vem enfrentando uma enorme dificuldade na fixação de médicos, em especial nos pequenos municípios do interior e na periferia das grandes cidades e das regiões metropolitanas, para assistência na rede básica de saúde. Isto não se deve apenas à falta de condições estruturais ou à ausência de uma carreira de estado, providências que contam com o nosso integral apoio. Se não levarmos em consideração as dimensões continentais e a heterogênea estrutura social, econômica e política do Brasil, produziremos uma análise simplificadora da nossa realidade.
Da mesma forma, não é possível desconsiderar a baixa oferta de vagas em residência médica, a formação excessivamente especializada e voltada à atuação em ambiente hospitalar dos nossos médicos, a carência de profissionais nas clínicas básicas e na Estratégia de Saúde da Família, a concentração excessiva dos médicos nas capitais e grandes centros urbanos e, principalmente, o número insuficiente de médicos para o tamanho de nossa população e a inquestionável expansão dos postos de trabalho nos setores público e privado, como elementos determinantes que devem ser considerados neste debate.
Reconhecemos o esforço que o governo federal tem feito para enfrentar a maior parte destas questões. Programas como a Requalificação das Unidades Básicas de Saúde, de Melhoria do Acesso e da Qualidade (PMAQ), a implantação da rede de UPAs e do SAMU-192, bem como a ampliação das vagas em cursos de Medicina e de bolsas de residência médica, são algumas das importantes iniciativas para a melhoria do atendimento universal previsto em nossa Constituição Federal e sob responsabilidade do SUS. Reconhecemos, ainda, que a expansão do financiamento e estruturação da Atenção Básica nos municípios, envolvendo recursos superiores a 20 bilhões de reais, tornou-se hoje uma clara prioridade da União.
Além disso, algumas iniciativas para a fixação de médicos na Atenção Básica estão em curso e já começam a dar os primeiros resultados, como o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (PROVAB), destinado a profissionais egressos das universidades que querem cursar uma residência ou diminuir sua dívida em relação ao financiamento de sua formação (FIES), que obtêm benefícios em contrapartida ao trabalho dedicado à atenção básica no SUS.
O PROVAB, por exemplo, prevê pagamento de bolsa federal para o médico no valor de R$ 8 mil mensais, atividade supervisionada por uma instituição de ensino e a obtenção de título de pós-graduação em Saúde da Família pela atuação por 12 meses na rede básica. Para os médicos bem avaliados, o programa dá ainda bonificação de 10% nos exames de residência médica. Este programa tem levado profissionais para atuarem em periferias de grandes cidades, em municípios do interior, no semiárido nordestino, em territórios de população indígena ou mesmo em áreas mais remotas, como a Amazônia Legal Brasileira, possibilitando que o profissional conheça a realidade da saúde da população.
Entretanto, tais programas não são suficientes para resolver os gargalos incontestáveis do sistema de saúde brasileiro e medidas adicionais são necessárias. A escassez de médicos em nossa rede de saúde é uma delas, senão a mais sensível. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) demostram que o Brasil conta com 1,8 médico a cada 1.000 habitantes, média menor que a do Uruguai (3,7), Argentina (3,2), México (2,0), Venezuela (1,9) e Cuba (6,0). Quando a comparação é com países europeus, a discrepância é ainda maior: Espanha (4,0), Portugal (3,9), Alemanha (3,6) e Itália (3,5).
A situação do Estado de São Paulo não é diferente. De acordo com o relatório apresentado pelo CREMESP – Demografia Médica no Estado de São Paulo, 2012, apenas 208 municípios paulistas, dispostos em quatro regiões (dos 17 Departamentos Regionais de Saúde – DRS existentes) apresentam índices maiores que 2,0 médicos por 1.000 habitantes, o que representa 32,24%. Mais de dez regiões paulistas, na qual estão localizados 344 municípios (53%) possuem índice menor que a média nacional (1,8). A região mais deficitária é a de Registro (DRS XII), que abrange 15 municípios, com índice de 0,75 médico por 1.000 habitantes. É evidente, portanto, que o problema não é, como alguns afirmam inadvertidamente, apenas de distribuição dos médicos. Sua falta é absoluta e não apenas relativa.
As posições relutantes à vinda de médicos estrangeiros para atuar na Atenção Básica em regiões carentes e com dificuldades para fixação destes profissionais, lamentavelmente não têm sido acompanhadas de propostas para garantir aos cidadãos o direito à saúde. E não podemos nos conformar e deixar tudo como está. Por esta razão, temos posição favorável a esta iniciativa que vem sendo amplamente discutida pelo Governo Federal, sobretudo por nosso compromisso com as necessidades da população. Não é possível fazer um bom sistema de atenção à saúde sem os médicos, como ocorre em mais de 1.900 municípios brasileiros, que tem menos de 1 médico por 1.000 habitantes e em outros 700 municípios que não contam com nenhum médico neles residindo. Assim, todas as medidas possíveis para garantir a assistência médica merecem o nosso apoio.
Não abrimos mão, entretanto, que essa medida seja efetuada de forma regulada, com responsabilidade e qualidade. Não será a primeira vez que o país se utilizará de estrangeiros para alavancar seu desenvolvimento. A diferença é que, desta vez, isto se aplicará num setor sensível a todos, como forma de promover o caráter democrático do atendimento à saúde, na medida em que procura atender o direito de todos os brasileiros ao acesso à saúde. É importante ressaltar que a contratação de médicos estrangeiros é realizada em muitos países, como o Canadá, os Estados Unidos e o Reino Unido, por exemplo.
Com referência ao processo de revalidação de diplomas, argumento frequentemente utilizado por quem se opõe à vinda de médicos formados fora do Brasil, há uma dubiedade que necessita ser sanada.
É evidente que todos queremos profissionais de qualidade e aprovamos a adoção de procedimentos que possam aferir a qualidade individual. Porém, essa postura não pode ser obstáculo para a fixação de profissionais em locais mais carentes. Desta forma, defendemos a adoção de duas estratégias complementares, já utilizadas em outros países. Os médicos estrangeiros ou brasileiros formados no exterior que desejarem exercer a Medicina em qualquer região do país devem se submeter ao exame de validação (VALIDA), como já ocorre hoje.
Mas é imperioso adotar um regime de autorização especial para atuação restrita nas áreas de escassez de médicos, municípios de interior e periferias das grandes cidades, por um período fixo, sob regulação governamental e supervisão das nossas instituições públicas de ensino médico. Terminado esse prazo, a permanência do médico no Brasil só poderá ocorrer se ele se submeter à validação e for aprovado.
Não queremos a validação automática do diploma. Além disso, entendemos que esses médicos, em regime especial de trabalho, sejam obrigatoriamente formados em instituições de ensino autorizadas e reconhecidas e que tenham licença para atuar em seus países de origem.
Por fim, não poderíamos deixar de manifestar que defendemos também um maior investimento para a saúde pública nacional, como o repasse efetivo e integral de 10% das receitas correntes brutas da União para a Saúde, conforme o movimento ‘Saúde mais 10’, um projeto de lei de iniciativa popular para alterar a Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012.
A adoção combinada dessas medidas pode nos proporcionar o enfrentamento da crise que estamos atravessando. O momento é grave e a nossa responsabilidade não pode ser tolhida por interesses corporativos, políticos ou de qualquer outra natureza. Que as diferentes visões sobre o assunto sejam analisadas criticamente, mas que não se retarde mais as medidas urgentes que precisam ser tomadas e que, neste momento, são da alçada exclusiva do Governo Federal. E que contam com o irrestrito apoio dos secretários municipais de saúde paulistas.
Arthur Chioro é médico, presidente do Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo (COSEMS-SP) e Secretário de Saúde de São Bernardo do Campo.