Pesquisadores da Suécia descobrem que o cérebro funciona de forma diferenciada durante a tensão pré-menstrual mais intensa. Segundo eles, a ocorrência do transtorno pode ser prevista uma semana antes por meio de exames de neuroimagem
Bruna Sensêve
Correio Braziliense
“Mas essa tal de TPM está arruinando a minha vida, bandida, bandida. Eu não sei quem ela é, eu não sei o que fazer. Quando chega o dia dela, minha mulher quer me bater”, canta a irreverente banda de rock paulistana Velhas Virgens, em Essa tal de TPM. Mesmo de forma cômica, os músicos captaram a percepção de quem convive com os desníveis de humor e de comportamento que acometem cerca de 80% das mulheres. Ainda que comum, a tensão pré-menstrual não tem explicação. A comunidade científica já testou uma série de possibilidades sem que ao menos uma se confirmasse por completo. A pesquisadora Inger Poromaa, professora de obstetrícia e ginecologia do Departamento de Saúde das Mulheres e das Crianças da Universidade de Uppsala, na Suécia, pode estar chegando lá.
Ela apresentou os resultados de um trabalho com mulheres diagnosticadas com o transtorno disfórico pré-menstrual (TDPM) — uma espécie de TPM mais intensa — no 26º Congresso Europeu de Neuropsicofarmacologia, na última semana, na Espanha. Segundo Poromaa, durante a fase do ciclo menstrual em que os sintomas do transtorno se manifestam, as mulheres também apresentam uma função cerebral diferenciada. Não só isso: essa maior reatividade no cérebro pode ser visualizada em uma fase anterior do ciclo, prevendo uma certa vulnerabilidade ao transtorno. Para chegar às conclusões, a ginecologista submeteu 29 mulheres (15 com TDPM e 14 saudáveis) a exames de ressonância magnética no fim da fase folicular e durante a fase lútea do ciclo menstrual.
Existem dois principais hormônios femininos: a progesterona e o estrogênio. As duas primeiras semanas do ciclo menstrual, a fase folicular, são dominadas pelo estrogênio. Esse é o melhor momento do mês para as mulheres com TDPM. A etapa seguinte, a ovulação, dura entre um e três dias. Logo depois, os hormônios invertem de posição. Na fase lútea, a progesterona sobressai. “À medida que o nível dela aumenta, os sintomas intensificam relativamente rápido e com uma relação temporal”, explica Poromaa. A equipe liderada por ela estudou o processamento emocional em mulheres com TDPM exatamente nessas fases e, ao fazê-lo, relacionou as manifestações comportamentais diretamente com a atividade de uma área específica do cérebro: a amígdala.
Segundo Poromaa, essa região tem relevância específica para as mulheres com a desordem porque, como todas as outras partes do sistema límbico, ela é rica em receptores de estrogênio e progesterona. Diante desse e dos outros fatores, ela partiu da hipótese de que a maior reatividade da amígdala se daria na fase lútea, quando as mulheres sofrem os sintomas do transtorno. O grupo, porém, percebeu o oposto.
“Mulheres com a desordem tiveram esse aumento no período em que estavam melhores, na fase folicular. Não houve qualquer alteração na atividade cerebral durante a fase lútea.” Os dados foram interpretados como um marcador de vulnerabilidade, como se houvesse uma linha de base na qual, mesmo sem sentir os sintomas, elas ainda apresentassem um aumento na reatividade da amígdala. “Esse alto nível de atividade responde a algum estímulo e um deles é, com certeza, o progesterona. Isso me diz que as mulheres com a desordem são altamente suscetíveis aos níveis de progesterona mesmo quando eles são muito baixos.”
Tão logo os níveis da progestorena começam a aumentar, esses receptores da amígdala vão rapidamente atender o estímulo hormonal. “Ainda assim, ficamos com a pergunta: O que então acontece na fase lútea?”, conta Poromaa. A conclusão foi a de que a alta reatividade da amígdala é moldada também pela personalidade e pelo contexto social.
Ajustes
Os novos resultados puderam ser obtidos ao ajustar alguns detalhes no estudo. Inicialmente, os estímulos usados eram de reconhecimento de face. Para o exame de ressonância magnética funcional — que mede a atividade das áreas do cérebro —, foram usadas imagens com apelo bastante negativo, que nem sempre provocaram essa reação nas participantes. O material foi então substituído por estímulos sociais. As mulheres com TDPM apresentaram aumento da reatividade da amígdala a estímulos sociais em comparação a estímulos não sociais na fase lútea.
Segundo o ginecologista Mário Vicente Giordano, da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Rio de Janeiro, esse resultado está a favor dos estudos modernos, que indicam que a TPM envolve questões genéticas e ambientais. Hoje, os estudos estão voltados para a hereditariedade genética. “Mas achamos que só isso não é possível. Talvez, algumas mulheres sejam mais suscetíveis a essa variação hormonal e desenvolvem os sintomas.” Giordano considera que todas as possíveis condições devem ser unidas à forma como a mulher vive, incluindo o convívio social e profissional. “Se uma mulher que está sob alto estresse e é mais sensível à variação hormonal, essas duas condições juntas podem desencadear o transtorno.”
Só paliativos
Geruza pratica exercícios físicos para aliviar as tensões. Ainda assim, na TPM, dá umas "patadas" sem perceber |
Sem uma causa definida e comprovada, não há um tratamento curativo para a tensão pré-menstrual (TPM) e sua versão mais grave. Hoje, mulheres buscam formas de pelo menos amenizar os sintomas dos transtornos. Uma vez por mês, Geruza Cássia de Oliveira, 34 anos, começa a discutir com o computador, dar respostas atravessadas aos colegas e não tolerar ingênuos questionamentos da família. “Muita irritabilidade, paciência zero. Dou umas patadas e nem percebo. Depois disso, ou tenho uma grande euforia ou uma depressão inexplicável”, relata. A bancária considera seus sintomas totalmente emocionais, sem muito reflexo fisiológico. A reclamação é generalizada. “Eles viram para mim e falam: ‘Você está de TPM’. Eu penso: ‘Será?’ Olho no calendário e é mesmo.”
Ainda assim, ela não considera os sintomas tão graves. A variação é comum entre as amigas, a irmã e a mãe. Geruza chegou a conversar com a ginecologista, que indicou uma medicação que deve ser tomada na semana em que os sintomas são esperados. “Como eu não gosto de remédio, resolvi deixar para lá. Faço atividade física que me ajuda a extravasar um pouco. Um boxe, por exemplo, para passar a vontade de bater em alguma coisa”, ri.
Diretora do Departamento de Endocrinologia Feminina e Andrologia da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Amanda Athayde explica que, entre os tratamentos disponíveis, estão os serotoninérgicos. “Realmente, existe um deficit de serotonina nas mulheres com TPM, principalmente na fase pré-menstrual. Isso a gente resolve muito bem com esses medicamentos serotoninérgicos ou antidepressivos, que aumentam o nível de serotonina”, explica. (BS)