Cartografia
Por Iacã Macerata
Claudia de Paula
Laila Louzada
Ana Lúcia Gomes
Entendemos Cartografia como a leitura de diversos mapas existentes no território traduzindo-se por
informações, impressões, observações, sinalizações, sentimentos que contribuem para a construção de
um certo campo produtor de subjetividades e devem ser levados em consideração no dinamismo dos
diversos contextos da rua.
A grande função da cartografia é criar uma imagem para a equipe que não necessariamente vai dar
conta de todos os fatores que componham esse território; a equipe deve procurar se familiarizar com
ele. Pode fazer desenhos da área, construindo uma imagem própria do território, e essa imagem é dinâmica,vai mudar e é importante que mude.
A primeira etapa da construção do diagnóstico é a cartografia do campo de atuação das Equipes dos
Consultórios na Rua. O diagnóstico possibilita aos profissionais aproximarem-se do território, sistematizando suas percepções acerca das condições geográficas, epidemiológicas, culturais, sociais e econômicas que repercutem no modo de vida daqueles que habitam esse espaço (BARCELLOS; MONKEN apud FONSECA, 2007). E, ainda, entender os processos e fatores que constroem esse território da maneira como ele nos apresenta.
A segunda etapa é o momento em que a equipe se aproxima das pessoas que compõem o campo
de atuação do território cartografado e escuta suas demandas manifestas, iniciando um processo de
vinculação, para, posteriormente, construir nessa relação de vínculo as demandas desse público. É
importante que a presença dos profissionais não represente – e nem seja – um fator ameaçador para
aquele território. Isso coloca em risco a possibilidade do desenvolvimento do trabalho.
A cartografia integra perspectivas, olhares, paisagens de vida, buscando, dessa forma, mapear com
respeito e competência as diversas camadas de significações apresentadas pela rua.
Em um primeiro momento, a escuta é mais geral, é em verdade a construção de um olhar abrangente
do território – a cartografia – dizendo respeito ao território de forma mais ampla. Em um segundo momento, constrói-se o diagnóstico e a escuta é feita diretamente com as pessoas que compõem o público- alvo, a partir da formação de vínculo e de uma relação de cuidado. O diagnóstico, elaborado através da cartografia, levanta e constrói, nessa relação, as demandas desse público e com esse público.
É necessário conhecer e familiarizar-se minimamente com o território no qual se vai atuar. Essa
cartografia que aqui apresentamos diz respeito ao conhecimento e à apropriação desse território
pelas equipes do Consultório na Rua, uma via fundamental para o acolhimento da população e para
a construção do processo de trabalho.
Nessa cartografia, as equipes tratam de identificar pontos importantes relativos à população em
situação de rua nos territórios, no que diz respeito à concentração dessa população em pontos específicos, ao perfil dela em cada uma das regiões identificadas, aos fatores de risco à saúde e fatores de vulnerabilidade nos territórios, as instituições parceiras que atuam com a referida população,
as instituições que podem vir a se constituírem como parceiras, e aos espaços e fóruns de discussão acerca deste público e/ou de questões que atravessam essa temática.
O processo de construção da cartografia deve ser a ação inicial da equipe do Consultório na Rua em território. A cartografia deve ser feita a partir de saídas da equipe pelo território, dividida em pequenos grupos (formação que favorece a segurança), observando a dinâmica da rua e da população de rua nas regiões e/ou microrregiões, bem como identificando instituições e órgãos potencialmente parceiros para o trabalho.
Ressaltamos que, para este trabalho, faz-se necessário que a equipe tenha uma postura de atenção e análise dos movimentos que geralmente passam despercebidos por quem transita apressadamente por esses territórios. A função do observador deve ser simplesmente observar, e tentar perceber o que não estava muito visível ao olhar comum que se tem sobre a rua, porém não devemos descartar o contato com a população de rua.
Para a sistematização das observações, os profissionais podem utilizar o instrumento roteiro de campo,
contendo itens relacionados ao percurso realizado, perfil da população em situação de rua, vulnerabilidades identificadas nesse público e equipamentos sociais presentes na área. Além desse instrumento, o grupo pode registrar percepções aleatórias que surjam ao se inserirem nesses territórios, o que produz impressões acerca das dinâmicas destes, ajudando no processo de apropriação dessas áreas por parte da equipe. Lembramos que a dinâmica da rua apresenta-se de forma distinta em diferentes horários, portanto as áreas devem ser percorridas em diferentes turnos, a fim de observar a dinâmica da população em situação de rua no território.
A realização do trabalho da equipe do Consultório na Rua coloca em evidência a necessidade de estabelecer parcerias. A partir do reconhecimento dos equipamentos sociais e estreitamento das relações, torna-se possível construir redes de apoio no território potencializando a resolutividade dos serviços.
Os territórios não são totalidades estáticas, e sim campos vivos e dinâmicos. Justamente por isso
entendemos a cartografia não como um desenho imutável, mas sim incluindo em seu formato as dinâmicas, os movimentos, os processos de determinado território.
A construção da cartografia como primeira etapa do diagnóstico deve contar com a participação de todos os membros da equipe do Consultório na Rua, sendo que, nesse momento, todos deverão atuar na mesma função, embora com olhares e perspectivas diversas. Essa cartografia é, portanto, a tentativa de construir um olhar comum, que não necessariamente é um olhar homogêneo, mas uma perspectiva compartilhada, que comporta a diversidade de olhares e que é pactuada e validada no coletivo das equipes. Essa pactuação coletiva tem a intenção de ser a principal ferramenta para realização de um planejamento/plano de trabalho para a tomada de decisões e validação dos processos de trabalho da equipe e na equipe.