Por Júlio Lanceloti
Os muitos anos em que convivo com a população em situação de rua me ensinaram bastante. Aprendi que é impossível conviver sem estabelecer vínculos que humanizem e facilitem o encontro e possibilitem respostas.
Estabelecer vínculos é uma aprendizagem possível e uma dimensão humana que podemos desenvolver.
Alguns pressupostos são necessários: o despojamento e a empatia, a capacidade de compreender sem julgar e o respeito, que estabelece limites.
Sabemos que não somos capazes de estabelecer vínculos positivos com todas as pessoas, por isso é bom trabalhar em equipes que avaliam constantemente suas ações. Não podemos tudo, precisamos conhecer nossos limites e possibilidades.
O vínculo é irmão da gratuidade, sabe esperar o tempo do outro, perceber os pequenos passos que possibilitam, não é imediatista nem coisifica as pessoas para contabilizar êxitos e respostas obtidas.
A convivência com a população em situação de rua ensina a caminhar sempre, sem desanimar, e a construir caminhos partilhados. Mesmo quando se tem pressa, como em situações de saúde e aderência ao tratamento, não é o cuidado não utilitarista, mas a resposta que humaniza e vincula que pode oferecer as melhores conquistas.
Muitas vezes, vemos o problema como se nele se esgotasse a pessoa. Sempre repetimos, por exemplo, o problema não é o crack, é a vida. Queremos resolver o sintoma, e não a questão fundamental.
As questões fundamentais podem ser entendidas e encaminhadas a partir da vinculação, que, muitas vezes, é a melhor medicação, pelo menos para começar!
Quando a população em situação de rua percebe o cuidado para consigo, é que você olha para a vida, e não só para a ferida, ela se deixa ver. A ferida ou a doença é mais do que a dor de estar doente, é a dor de existir na situação que provoca essa dor e sobreviver assim. Nossa capacitação técnica tem que ser acompanhada da nossa capacidade de acolher sem tantos critérios para excluir!
Os vínculos são inclusivos, importantes não tanto em programas e projetos, mas no existir para o outro. A população de rua está cansada de ser tratada de maneira fria e tecnicista, não se estabelece vínculo que humaniza em atendimento compartimentalizado onde a pessoa é encaminhada, e não acompanhada, onde se transforma em dados, fichas e deixa de ser o que é: pessoa.
Pessoa em um emaranhado existencial que nem sempre é possível decifrar, mas que é possível compreender, aos poucos.
Vínculo exige perseverança e permanência, estabilidade que gera segurança, previsibilidade mesmo nos desafios que enfrentamos no dia a dia do trabalho e do viver. Vínculo revela conhecimento e reconhecimento. Não estranheza, mas pertença! Só quem pertence ao nosso mundo de significados
estabelece vínculos conosco, e só assim estabelecemos vínculos com o outro.
A população em situação de rua desafia nossa capacidade de aceitação e convivência. Os que mais
necessitam, os que estão em situação de maior risco, muitas vezes, são os que mais resistem, são também os que mais nos humanizam e preparam para as melhores ações.
Vinculação também é escolha, é seleção. Escolhamos, pois, os que nos humanizam e disponibilizam,
sem medo.
Um bom profissional é em primeiro lugar uma pessoa, que humaniza a vida!
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