Contaminação pelo vírus HIV entre os usuários de crack no Brasil é oito vezes maior do que na população em geral. Foto: Teresa Maia/DP/D.A Press/Arquivo |
Encomendado pela Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad) à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o estudo revela as principais características epidemiológicas dos usuários de crack e outras formas similares de cocaína fumada - pasta-base, merla e oxi - no país e é considerado o maior e mais completo levantamento feito sobre o assunto no mundo.
Os dados também revelam um aspecto que pode estar associado a esse panorama de maior contaminação: mais de um terço dos usuários (39,5%) informaram não ter usado preservativo em nenhuma das relações sexuais vaginais no mês anterior à entrevista. Nas relações sexuais orais o percentual é ainda maior: 50% dos usuários não usaram preservativo. E nas relações sexuais anais a mesma situação foi relatada por praticamente 30% dos entrevistados.
Alem disso, apesar da evidente exposição ao risco, mais da metade dos entrevistados (53,9%) relatou nunca ter feito teste para HIV. Nos municípios que não as capitais, a proporção é ainda maior, chegando a 65,9% de pessoas que jamais fizeram o teste para detectar o vírus HIV.
Outra situação de risco revelada pelo levantamento está relacionada ao compartilhamento de objetos para consumo da droga. A prática é relatada por mais de sete em cada dez pessoas que usam regularmente o crack e similares e desperta preocupação dos especialistas, já que favorece a transmissão de infecções, especialmente as hepatites virais. De acordo com o levantamento, 74,9% dos entrevistados usam a droga em cachimbos; 51,8% em latas de cerveja ou refrigerante e 28,3% usam a droga em copo plástico (com tampa de alumínio). Os pesquisadores ressaltam que o uso de latas e de cachimbos são especialmente perigosos pela possibilidade de contaminação por metais pesados, além do risco de queimaduras e lesões nos lábios.
O estudo aponta, ainda, que diferentemente dos dados internacionais, os usuários brasileiros não são, em sua ampla maioria, ex-usuários de drogas injetáveis, mais fortemente associados à transmissão do vírus da hepatite C e do HIV. O uso desse tipo de entorpecente foi relatado por apenas 9,2% das pessoas.
Além disso, casos de intoxicação aguda – overdose - ocorridos nos 30 dias anteriores à pesquisa foram citados por 7,8% dos usuários. Entre eles, 44,7% disseram que o problema foi em decorrência do uso excessivo do crack, o dobro dos relatos de ocorrência por abuso de álcool (22,4%). Os pesquisadores destacam, no texto, que "a questão é grave, com imenso impacto potencial para a atenção de urgência e emergência no âmbito do SUS [Sistema Único de Saúde], em termos de diagnóstico diferencial das diversas emergências e seu manejo adequado".
Para coletar os dados, cerca de 500 profissionais, como pesquisadores, assistentes sociais e psicólogos, foram a locais usados para consumo da droga, mapeados com ajuda de fontes locais - secretarias de Saúde, Assistência Social e Segurança, além de organizações não-governamentais e lideranças comunitárias. Nesses locais, as equipes identificaram usuários, que foram entrevistados entre novembro de 2011 e junho de 2013. Ao todo, 7.381 usuários de crack, em 112 municípios de portes variados - incluindo todas as capitais brasileiras -, responderam às perguntas.
Além desse estudo, os ministérios divulgaram hoje a pesquisa Estimativa do Número de Usuários de Crack e/ou Similares nas Capitais do País, que indica a existência de 370 mil usuários regulares de crack nas capitais brasileiras e no Distrito Federal.