Hoje pela manha encaminhei um texto do Deputado Carlos Neder – “O que esperar da saúde estadual?”
Recebi alguns retornos favoráveis, outros discordando. Para que o debate seja amplo e aberto repasso a entrevista realizada pelo jornal do CREMESP com Dr. Gastão, texto esse que me foi sugerido leitura por uma das pessoas que me retornou.
De qualquer modo, mantenho minha opinião de que a municipalização precisa acontecer em toda sua plenitude. É impossível administrar saúde com governos da união, estadual e federal disputando espaços políticos utilizando a saúde pública como marionete. Enquanto nosso sistema político continuar podre como é, dificilmente haverá engajamento das três esferas de governo, ainda mais quando os partidos políticos de cada um (união, estado e município) forem opostos.
O correto é municipalizar canalizando os recursos federais da atenção básica (PAB) e de internações hospitalares (AIH) diretamente para o município, mas, desde que sejam implementados mecanismos de fiscalização eficazes.
Eduardo Bizon
Edição 307 - 09/2013
ENTREVISTA (pág.3)
Gastão Wagner de Sousa
O Programa Mais Médicos foi lançado em julho pelo governo federal, com a intenção de suprir a carência de médicos nas periferias dos grandes centros urbanos e em regiões longínquas e de difícil acesso. A medida provocou polêmica na classe médica, principalmente devido à vinda de estrangeiros –incluindo 4 mil cubanos – sem a devida revalidação de diploma e submetidos a condições ilegais e precárias de trabalho. Esse contingente de profissionais deve permanecer, no mínimo, três anos na região para a qual foi designado, entre as 701 cidades que não despertaram interesse de nenhum brasileiro na primeira fase do programa. Para discutir o alcance dessas medidas e suas consequências para a assistência à população, o Jornal do Cremesp ouviu Gastão Wagner de Sousa Campos, professor titular de Saúde Coletiva da FCM/Unicamp.
A pesquisa Demografia Médica no Brasil, do Cremesp e CFM, demonstrou que a má distribuição de médicos causa desassistência em muitos pequenos municípios, nas periferias dos grandes centros e em vários serviços do SUS. O Programa Mais Médicos conseguirá suprir essa carência?
De imediato, e em alguma medida, sim. É evidente que em médio e longo prazos, não. A má distribuição de médicos não é somente territorial. É igualmente grave o dado, nessa pesquisa, de que há 1,9 posto de trabalho médico para cada mil usuários do SUS (75% da população brasileira) e 7,8 por mil para os 25% que possuem seguro saúde ou recursos próprios para custear atenção médica. Essa situação reflete o descaso, o descuido e a ausência de uma política de recursos humanos para o SUS.
A MP 621/2013 diz que os participantes serão considerados médicos-estudantes e não poderão assumir, sozinhos, a responsabilidade pelos atendimentos, sendo necessária a presença do tutor ou preceptor brasileiro. Essas regras são viáveis na prática?
Sim, são possíveis se forem realmente implementadas e se houver recursos adicionais e gestão competente. Medidas semelhantes serão necessárias para os dois anos de residência obrigatória na atenção primária, caso seja aprovada a proposta do governo.
Como avalia a vinda de médicos estrangeiros sem a devida revalidação de diplomas, como propõe o governo federal?
Como regra geral, sou a favor do Revalida. Acredito que deverá ser aperfeiçoado e desburocratizado. Defendo que essa prova de proficiência seja cogerida entre universidades, Ministérios da Educação e da Saúde e representantes de entidades médicas. Em situações de emergência, autoridades podem convocar profissionais estrangeiros. Os cubanos têm boa formação em atenção primária: sabem sobre clínica geral e medidas de prevenção e promoção à saúde. O tipo de supervisão que necessitarão não será, portanto, o mesmo da Residência. Há 14 anos, a região de Campinas recebeu cinco médicos cubanos para nos apoiar na construção da estratégia de saúde da família e não houve nenhum problema. Depois do período de três anos, quatro retornaram e um permaneceu no Brasil.
O Programa prevê mais 11 mil vagas em graduação e de 12 mil em Residência. Como avalia essa proposta, uma vez que enfrentamos problemas na formação dos alunos e carência de docentes em Medicina?
A carência de docentes se resolverá com concursos públicos para as universidades federais e estaduais. Há fila de profissionais interessados na carreira docente. Em algumas especialidades haverá problemas, como já acontece. Nesses casos, em geral especialidades que valorizam mais a prática médica no mercado, a solução serão os contratos em tempo parcial. Na realidade, não precisamos formar mais de 10 mil médicos por ano. Ao cruzar dados do crescimento populacional e dos novos serviços no SUS e no setor privado com vagas nos cursos médico, constata-se a necessidade de apenas mais 2 mil a 3 mil ao ano. Já as 12 mil novas vagas para residentes serão bem-vindas, particularmente naquelas especialidades que o setor privado quase eliminou: Medicina Interna, Pediatria Geral, Cirurgia Geral e Saúde da Família; e naquelas em que houve controle corporativo e omissão do MEC e do MS de vagas para a Residência: Anestesia e Psiquiatria, entre outras.
O SUS está subfinanciado (o governo destina apenas 3,6% do PIB) e não conta com Plano de Carreira de Estado. Até que ponto a falta de médicos é responsável pela situação do sistema?
Os problemas do SUS são amplos e interconectados. O subfinanciamento impede política e gestão de pessoal adequadas e quem sofre, além dos profissionais, são os usuários. Brasileiros continuam morrendo por causas evitáveis. Por outro lado, há problemas para contratação de pessoal, inclusive com os médicos.
A imprensa identificou cidades que pretendem fazer demissões para receber as equipes do governo federal. Essa substituição significa economia pela prefeitura – já que a bolsa de R$ 10 mil do Mais Médicos é totalmente custeada pela União – e o fim da alta rotatividade.Em que medida essa distorção pode prejudicar o Mais Médicos?
A gestão do SUS não pode continuar a depender, principalmente, dos prefeitos e dos municípios. Há que se cobrar maior envolvimento da União e dos Estados. Eu defendo a criação de uma carreira no SUS como um todo; não uma federal, 27 estaduais e milhares municipais. Isto nunca irá acontecer. A carreira no SUS deve criar responsabilidade e financiamento federal, estadual e municipal. Os profissionais seriam do SUS. Os concursos, feitos por Estado da federação, trariam cargos com possibilidade de remanejamento e de promoção, cursos para completar formação e possibilidade de trabalho na atenção básica, dar plantões, assistir em enfermarias etc.
Recebi alguns retornos favoráveis, outros discordando. Para que o debate seja amplo e aberto repasso a entrevista realizada pelo jornal do CREMESP com Dr. Gastão, texto esse que me foi sugerido leitura por uma das pessoas que me retornou.
De qualquer modo, mantenho minha opinião de que a municipalização precisa acontecer em toda sua plenitude. É impossível administrar saúde com governos da união, estadual e federal disputando espaços políticos utilizando a saúde pública como marionete. Enquanto nosso sistema político continuar podre como é, dificilmente haverá engajamento das três esferas de governo, ainda mais quando os partidos políticos de cada um (união, estado e município) forem opostos.
O correto é municipalizar canalizando os recursos federais da atenção básica (PAB) e de internações hospitalares (AIH) diretamente para o município, mas, desde que sejam implementados mecanismos de fiscalização eficazes.
Eduardo Bizon
Edição 307 - 09/2013
ENTREVISTA (pág.3)
Gastão Wagner de Sousa
“Gestão do SUS não pode continuar a depender, principalmente, dos prefeitos e dos municípios”
“Os problemas do SUS são amplos e interconectados. O subfinanciamento impede política e gestão de pessoal adequadas”
O Programa Mais Médicos foi lançado em julho pelo governo federal, com a intenção de suprir a carência de médicos nas periferias dos grandes centros urbanos e em regiões longínquas e de difícil acesso. A medida provocou polêmica na classe médica, principalmente devido à vinda de estrangeiros –incluindo 4 mil cubanos – sem a devida revalidação de diploma e submetidos a condições ilegais e precárias de trabalho. Esse contingente de profissionais deve permanecer, no mínimo, três anos na região para a qual foi designado, entre as 701 cidades que não despertaram interesse de nenhum brasileiro na primeira fase do programa. Para discutir o alcance dessas medidas e suas consequências para a assistência à população, o Jornal do Cremesp ouviu Gastão Wagner de Sousa Campos, professor titular de Saúde Coletiva da FCM/Unicamp.
A pesquisa Demografia Médica no Brasil, do Cremesp e CFM, demonstrou que a má distribuição de médicos causa desassistência em muitos pequenos municípios, nas periferias dos grandes centros e em vários serviços do SUS. O Programa Mais Médicos conseguirá suprir essa carência?
De imediato, e em alguma medida, sim. É evidente que em médio e longo prazos, não. A má distribuição de médicos não é somente territorial. É igualmente grave o dado, nessa pesquisa, de que há 1,9 posto de trabalho médico para cada mil usuários do SUS (75% da população brasileira) e 7,8 por mil para os 25% que possuem seguro saúde ou recursos próprios para custear atenção médica. Essa situação reflete o descaso, o descuido e a ausência de uma política de recursos humanos para o SUS.
A MP 621/2013 diz que os participantes serão considerados médicos-estudantes e não poderão assumir, sozinhos, a responsabilidade pelos atendimentos, sendo necessária a presença do tutor ou preceptor brasileiro. Essas regras são viáveis na prática?
Sim, são possíveis se forem realmente implementadas e se houver recursos adicionais e gestão competente. Medidas semelhantes serão necessárias para os dois anos de residência obrigatória na atenção primária, caso seja aprovada a proposta do governo.
Como avalia a vinda de médicos estrangeiros sem a devida revalidação de diplomas, como propõe o governo federal?
Como regra geral, sou a favor do Revalida. Acredito que deverá ser aperfeiçoado e desburocratizado. Defendo que essa prova de proficiência seja cogerida entre universidades, Ministérios da Educação e da Saúde e representantes de entidades médicas. Em situações de emergência, autoridades podem convocar profissionais estrangeiros. Os cubanos têm boa formação em atenção primária: sabem sobre clínica geral e medidas de prevenção e promoção à saúde. O tipo de supervisão que necessitarão não será, portanto, o mesmo da Residência. Há 14 anos, a região de Campinas recebeu cinco médicos cubanos para nos apoiar na construção da estratégia de saúde da família e não houve nenhum problema. Depois do período de três anos, quatro retornaram e um permaneceu no Brasil.
O Programa prevê mais 11 mil vagas em graduação e de 12 mil em Residência. Como avalia essa proposta, uma vez que enfrentamos problemas na formação dos alunos e carência de docentes em Medicina?
A carência de docentes se resolverá com concursos públicos para as universidades federais e estaduais. Há fila de profissionais interessados na carreira docente. Em algumas especialidades haverá problemas, como já acontece. Nesses casos, em geral especialidades que valorizam mais a prática médica no mercado, a solução serão os contratos em tempo parcial. Na realidade, não precisamos formar mais de 10 mil médicos por ano. Ao cruzar dados do crescimento populacional e dos novos serviços no SUS e no setor privado com vagas nos cursos médico, constata-se a necessidade de apenas mais 2 mil a 3 mil ao ano. Já as 12 mil novas vagas para residentes serão bem-vindas, particularmente naquelas especialidades que o setor privado quase eliminou: Medicina Interna, Pediatria Geral, Cirurgia Geral e Saúde da Família; e naquelas em que houve controle corporativo e omissão do MEC e do MS de vagas para a Residência: Anestesia e Psiquiatria, entre outras.
O SUS está subfinanciado (o governo destina apenas 3,6% do PIB) e não conta com Plano de Carreira de Estado. Até que ponto a falta de médicos é responsável pela situação do sistema?
Os problemas do SUS são amplos e interconectados. O subfinanciamento impede política e gestão de pessoal adequadas e quem sofre, além dos profissionais, são os usuários. Brasileiros continuam morrendo por causas evitáveis. Por outro lado, há problemas para contratação de pessoal, inclusive com os médicos.
A imprensa identificou cidades que pretendem fazer demissões para receber as equipes do governo federal. Essa substituição significa economia pela prefeitura – já que a bolsa de R$ 10 mil do Mais Médicos é totalmente custeada pela União – e o fim da alta rotatividade.Em que medida essa distorção pode prejudicar o Mais Médicos?
A gestão do SUS não pode continuar a depender, principalmente, dos prefeitos e dos municípios. Há que se cobrar maior envolvimento da União e dos Estados. Eu defendo a criação de uma carreira no SUS como um todo; não uma federal, 27 estaduais e milhares municipais. Isto nunca irá acontecer. A carreira no SUS deve criar responsabilidade e financiamento federal, estadual e municipal. Os profissionais seriam do SUS. Os concursos, feitos por Estado da federação, trariam cargos com possibilidade de remanejamento e de promoção, cursos para completar formação e possibilidade de trabalho na atenção básica, dar plantões, assistir em enfermarias etc.